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segunda-feira, 15 de março de 2010

O DNA de Piñera e o drama chileno


No rastro de destruição deixado pelo terremoto, também ruiu uma parcela da ideologia enaltecedora do modelo neoliberal que Piñera representa. Diante da tragédia, salta aos olhos do mundo a debilidade da rede de proteção social do país. A ajuda pública demorou inexplicavelmente a chegar a cidades próximas a Concepción, como Coelemu e Chanco, destruídas pelo terremoto; e Dichato e Pelluhue, varridas pelo tsunami. O artigo é de Marcela Escribano.

Por Marcela Escribano (*)

A chegada da direita ao poder encerra o mais recente ciclo da história política chilena e, simbolicamente, ocorre em meio aos escombros do terremoto do último dia 2 de março.

Abalos sísmicos e rupturas institucionais fazem parte da história do país.

O ímpeto reformista de Balmaceda, no século 19, e a experiência revolucionária de Allende, no século 20, ambos sufocados com a morte de milhares de chilenos, dão testemunho do destino trágico deste povo.

Um historiador contemporâneo, referindo-se às sucessivas crises políticas no Chile, observou que “os chilenos são um povo com os pés firmes na terra; o problema é que neste país o chão está sempre a ponto de se mover, e mostrar as suas entranhas”.

Apesar de tudo, a atual transição de governo se desenvolve num clima de normalidade institucional. É sinal de que as coisas podem ser diferentes no século 21. Deste ponto de vista, o balanço dos quatro governos de centro-esquerda, é positivo. A situação política, no entanto, é mais complexa.

Sebastián Piñera certamente não se recordará de Balmaceda ou de Allende no dia da sua posse. O homem mais rico do Chile, agora presidente do país por quatro anos (no Chile não há reeleição), é irmão de José Piñera, ex-ministro de Pinochet, responsável pela criação do sistema de previdência privada. Também é dele o Plano laboral, conjunto de normas editadas pela ditadura para amordaçar o sindicalismo chileno.

Piñera não dará conta de reconstruir o país contando apenas com as forças de centro-direita que o elegeram, principalmente a União Democrática Independente (UDI) e a Renovação Nacional (RN). Tampouco o fará com as políticas tradicionais do receituário neoliberal. É nos momentos de crise, sociais ou naturais, que a ausência do Estado é mais visível e danosa.

No rastro de destruição deixado pelo terremoto, também ruiu uma parcela da ideologia enaltecedora do modelo neoliberal que Piñera representa.

Diante da tragédia, salta aos olhos do mundo a debilidade da rede de proteção social do país. A ajuda pública demorou inexplicavelmente a chegar a cidades próximas a Concepción, como Coelemu e Chanco, destruídas pelo terremoto; e Dichato e Pelluhue, varridas pelo tsunami.

Não é tarefa fácil decifrar o enigma desse país, tão próximo e tão distante dos brasileiros.

O Chile alcançou a democracia política, em 1990, pela via da transição negociada, sem rupturas conflituosas. Neste aspecto, o país se parece mais com o Brasil do que com a Argentina, que chegou à democracia por meio da falência do Estado autoritário.

As Forças Armadas chilenas permaneceram unidas em torno do cronograma de transição definido por Pinochet. Lá não ocorreu a clássica divisão entre militares “duros” e “moderados”, observada por Guillermo O’Donnell nos demais países do Cone Sul.

Em conseqüência, quando as oposições democráticas agrupadas na Concertación venceram o plebiscito de 1988, derrotando nas urnas a tentativa de legitimação e continuidade da ditadura, Pinochet teve apoio das Forças Armadas para declarar: “Na Constituição não se toca”. Ele se referia à Constituição de 1980, promulgada em uma das fases mais repressivas do regime militar.

Ao longo desses anos a Constituição autoritária permaneceu vigente. A reforma de 2005, que eliminou os senadores vitalícios e restituiu o poder de o presidente indicar o comandante em chefe das Forças Armadas, foi considerada tímida e insuficiente.

Segundo Luiz Maira, ex-presidente do Partido Socialista Chileno, a solução que permitiu a chegada da Concertación ao poder vinte anos atrás teve como contrapartida a imposição, por parte do antigo regime, de restrições legais e salvaguardas institucionais.

Fez parte do acordo a permanência de Pinochet como senador vitalício, a impunidade às violações dos direitos humanos e a preservação da estrutura institucional do Estado mínimo. Durante esses anos, socialistas e democratas cristãos, os dois principais partidos da Concertación, revezaram-se no poder sem remover tais obstáculos.

Além das salvaguardas constitucionais, o governo Pinochet preparou um conjunto de leis que seguem em vigor até hoje. Maira chamou de “legislación de amarre” a este pacote deixado de presente a Patricio Alwyn, o primeiro presidente civil pós-ditadura, indicado pela Democracia Cristã.

O atual sistema majoritário binominal, herdado da ditadura, resultou desta legislação. Único no mundo, o sistema impede a representação das minorias políticas no Parlamento. O Partido Comunista Chileno, por exemplo, permaneceu excluído do Congresso Nacional nos últimos vinte anos.

Segundo Manuel Antonio Garretón, sociólogo e professor da Universidade do Chile, a vertente autoritária da direita chilena, herdeira do pinhochetismo, está alojada na União Democrática Independente (UDI). Ao celebrar a vitória de Piñera, estes grupos gritavam: “Pinochet, Pinochet, esta vitória é para você!”.

Trata-se de um partido que cresceu nas eleições parlamentares e representa segmentos de uma classe média baixa que saiu da pobreza e sonha em ter o sucesso de Piñera. Como diz Garretón em recente entrevista publicada no Brasil, “com os acenos que faz para a Concertación integrar seu governo, (Piñera) sinaliza que não quer, e nem pode, ficar no campo da direita. Se ficar, o risco de ser manipulado pelos autoritários é tremendo”.

Em face dos atuais desafios nacionais a situação chilena poderia se complicar. Calcula-se que a reconstrução do país levará anos e custará mais de U$ 30 bilhões. A interrupção de programas sociais, especialmente nas áreas de saúde e habitação, sairia caro ao novo governo.

Constrangido pela percepção de que o fantasma das lutas sociais tende a retornar, Piñera poderá alterar seus planos originais. Os partidos de esquerda e os movimentos sociais têm dado sinais de recuperação. É o caso das mobilizações dos estudantes secundaristas, dos mapuches e do sindicalismo.

Para Garretón, a "consolidação dos entraves autoritários" constitui o principal paradoxo da transição chilena. Paradoxo por paradoxo, diante dos desafios de reconstrução do país e das tensões políticas e sociais que poderão ser geradas por essa terrível tragéida, Piñera talvez seja compelido a dar um outro rumo para o seu governo.

(*) Marcela Escribano (Alternatives/Canadá) é diretora de projetos para a América Latina.

terça-feira, 9 de março de 2010

Brasilianas.org estreou na TV Brasil no dia 8 de março e debateu o tema tecnologia militar e indústria bélica


Luis Nassif apresenta o 'Brasilianas.org', que estreou na noite de 8 de março

Discutir políticas que podem ajudar o desenvolvimento do país e a qualidade de vida do cidadão brasileiro é a proposta do Brasilianas.org, programa de debate, apresentado pelo jornalista Luís Nassif, que estreou no dia 8 de março na TV Brasil, às 22 horas. Toda segunda-feira e, com a participação do telespectador, uma política pública estará em discussão na emissora.

A idéia do Brasilianas.org é reunir informação e conteúdo sobre programas e políticas públicas diretamente ligadas à realidade brasileira e promover um ambiente híbrido em que televisão e internet se complementem. Caberá ao Portal ( www.brasilianasorg.com.br) provocar e trazer os problemas à tona. Já o Brasilianas.org terá como missão principal filtrar os pontos de maior interesse público e convidar representantes dos diversos setores da sociedade brasileira ao debate.

No programa de estreia, o tema em discussão será indústria e tecnologia de defesa militar. Setores que, além de associados às questões de soberania e autonomia, são importantes para garantir o aprimoramento em pesquisa e desenvolvimento, como também a presença do Brasil no mercado internacional.

No centro da conversa, a Estratégia Nacional de Defesa, documento aprovado em dezembro de 2008 e que deve reger todas as ações sobre o setor; as transferências tecnológicas entre Brasil e outros países, o papel da indústria, das Forças Armadas e dos centros de pesquisa. O Brasilianas.org mostrará também o aparato tecnológico que permite vigiar a Amazônia do céu e a adaptação dessa tecnologia para o uso civil, como é o caso do GPS e do material teflon. O programa debaterá também as perguntas enviadas pelo internauta ao site www.brasilianasorg.com.br.

Participam do primeiro Brasilianas.org o Contra-almirante Arthur Campos, diretor do departamento de ciência e tecnologia do Ministério da Defesa; o General Minnicelli, chefe do Centro Tecnológico do Exército; e Cláudio Lucchesi, que é diretor da revista Asas. O programa tem também as presenças de André Martirani, especialista em estratégia militar para a gestão de negócios; Peterson Ferreira da Silva, mestrando em Relações Internacionais pelo programa San Tiago Dantas e pelo Pró-Defesa; Fábio Machado, pesquisador da área de indústria bélica e Mariana Ruivo, que tem estudos sobre segurança e defesa.

Em novo programa da TV Brasil, Nassif aposta na interação entre TV e Web

Ao lançar seu programa Brasilianas.Org, o novo espaço na TV Brasil para a discussão de políticas públicas, o jornalista Luís Nassif aposta na interatividade entre duas poderosas mídias: a televisão e a Internet. Segundo ele, com a descoberta de petróleo no pré-sal e os avanços na área da bioenergia, o Brasil se prepara para uma nova fase de desenvolvimento que marcará as próximas décadas. “Isso ocorre no momento em que o país superou o receio histórico de ser grande”, afirma o jornalista e apresentador de Brasilianas.Org.

Na sua avaliação, a a mídia tradicional não consegue conduzir em profundidade os debates sobre grandes temas da atualidade que estão em discussão no país por entidades, organizações não-governamentais, especialistas, grupos de estudos, etc. “A abordagem é superficial”, analisa.

Mas tem muita gente boa no Brasil discutindo temas relevantes para o país com influência direta no dia a dia da vida do cidadão. Nosso objetivo é promover essas discussões e debates com mídias diferentes, mas capazes de buscar uma linguagem comum e interativa.
Nassif

O jornalista entende que a interatividade entre a televisão e a Internet, esse novo ambiente híbrido que Brasilianas. Org, propõe criar, permitirá a reunião de informações e conteúdos sobre programas e políticas públicas diretamente ligadas à realidade brasileira traduzidas em linguagem simples, de fácil compreensão pelos telespectadores.

Nassif está confiante no formato do programa que terá sua interface na web. A cada semana será apresentado um tema na TV Brasil, veiculado por meio de cinco programetes de um minuto cada. Os programetes chamarão os telespectadores para a participação na internet.

Ao mesmo tempo, o portal Brasiliano.Org colocará à disposição dos interessados no tema, um conjunto de ferramentas – mp3, vídeos, textos - que permitirá ao cidadão participar da construção do programa que aprofundará o assunto com a participação de convidados, sob o comando de Nassif, na segunda-feira, no horário de debates da programação da TV Brasil.

No portal, ficarão armazenados os programas, trabalhos acadêmicos, documentos legais e uma orientação, denominada de Documento Mestre, que esclarecerá os leitores sobre os pontos principais do tema em discussão. Segundo Nassif, os comentaristas poderão se cadastrar e participar das discussões, por meio de uploads de documentos, apresentações, áudios e vídeos.

Em relação ao primeiro programa que abordará a indústria e a tecnologia de defesa militar, afirmou:

Estamos mais interessados em discutir a tecnologia de defesa militar para o setor do que propriamente a estratégia. Esse é um setor que, além de estar associado às questões de soberania e autonomia do país, é importante para assegurar o aprimoramento em pesquisa e também a presença do Brasil no mercado internacional

terça-feira, 2 de março de 2010

Criada a ALTERCOM - associação da "outra" mídia

Por Rodrigo Vianna

Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores da Comunicação.

Esse foi o nome aprovado no sábado, para a entidade que deve reunir editoras, sites, produtoras de vídeo, de rádio, revistas, jornais, blogueiros, agências de comunicação e tantos outros que não se sentem representados pelo condomínio comandado por Abril/Globo/Folha/Estadão, nem tem peso econômico para atuar junto às grandes teles.

O nome fantasia da nova associação será ALTERCOM.

A entidade é fruto de quase seis meses de debate. Mais que tudo, é fruto da experiência concreta.

A ALTERCOM surgiu como resultado das articulações inciadas durante a Confecom - Conferência Nacional de Comuncação.

Como já escrevi aqui, um grupo de pequenos empresários da comuncação conseguiu eleger uma bancada de 20 delegados por São Paulo, para participar da Confecom. O grupo, conhecido como G-20, não se alinhava nem com as teles (conglomerados milionários que chegaram ao Brasil recentemente, e também estão em guerra contra os velhos barões da mídia), nem com o setor tradicional de jornais/revistas e radiodifusão no Brasil.

O G-20 ajudou a aprovar muitos princípios importantes na Confecom - incluindo a criação do "Conselho Nacional de Comunicação".

A turma do G-20 percebeu, então, que havia espaço e necessidade para se criar uma entidade que articulasse permanentemente esse setor.

No último sábado, o G-20 ficou maior. Um grupo de 40 ou 50 pessoas (o pesoal da "CartaMaior" deve divulgar depois um balanço mais detalhado) se reuniu em São Paulo e tomou a decisão de criar a entidade, que terá uma dupla função: defender as posições políticas e os interesses econômicos dos pequenos empresários (alguns nem tão pequenos assim) e dos empreendedores individuais da comunicação.

Defender as posições políticas significa participar do debate nacional. Exemplo: se a ABERT (que representa a Globo) ou a ANER (que representa a Abril, basicamente) divulgam uma carta criticando a Confecom, por atentar contra a "liberdade de expressão", nosa entidade poderia fazer o contraponto, em nomes dos empresários e empreendedores que não se alinham com o grande capital.

A defesa dos intereses econômicos significa luta para que a repartição das verbas públicas de publicidade seja mais justa, ajudando a incentivar uma diversidade maior de vozes no Brasil. Num segundo momento, pode significar também uma articulação para que os pequenos conquistem parte da verba dos grandes anunciantes privados - por que, não?

Alguns dos presentes na reunião do último sábado propuseram que a entidade trouxesse em seu nome a marca da "midia alternativa". Queriam que a entidade fosse a Associação da Midia Alternativa. O argumento é que essa marca "alternativa" é usada no mundo todo, e seria também uma referência à "imprensa alternativa" (jornais como Opinião, Movimento, Pasquim, Em Tempo, EX, e tantos outros) que cumpriu papel importante na passagem dos nos 70 para os 80 no Brasil.

Mas a maioria preferiu manter essa marca de "alternativo" fora do nome, por entender que poderia trazer a impressão de algo precário, sem qualidade. No Brasil atual, quando falamos em "alternativo", muita gente pensa em algo feito de improviso, sem muita técnica.

Sabemos que não é uma visão justa. Mas a maioria preferiu deixar claro que esse grupo não reúne gente amadora, mas um pessoal disposto a comprar a briga com os grandes - de forma séria, competente, e profissional sempre que possivel.

De toda forma, a referência ao "alternativo" de outros tempos (que muito nos orgulha) ficou implícita na sigla - ALTERCOM.

O "alter" pode ser lido também como "outro", diferente. E aí há uma associação direta com a idéia do "outro mundo é possível" - tão presente no Forum Social Mundial.

Não vou me adiantar mais. Até porque tudo isso deve constar da carta de princípios e do estatuto da entidade - que devem estar prontos em 15 dias. Aí, nova assembléia será convocada, para aprovação oficial da ALTERCOM.

A idéia é que dela façam parte revistas (como "Caros Amigos" e "Fórum"), sites (como "CartaMaior"), editoras (como "Boitempo" e "Paulinas"), webTVs (como "allTV"), jornais do interior (como "ABCD Maior"), além de agências de comunicação e produtoras de conteúdo para cinema, teatro, rádio. Todas essas são empresas constituídas, de forma convencional, com CNPJ, funcionários, sede, contrato em cartório. O que as diferencia é o conteúdo que oferecem, e o posicionamento polítco de seus proprietários.

Mas a ALTERCOM vai abrir espaço também - e aí, parece-me, está um grande diferencial da nova associação - para centenas de "empreendedores" individuais surgidos nos últimos anos no Brasil. Quase todos são blogueiros (como esse "Escrevinhador") que ajudaram a quebrar a lógica da comunicação verticalizada.

Blogueiros como Eduardo Guimarães ("Cidadania.com"), Marcelo Salles ("Fazendo Media") e Luiz Carlos Azenha ("VioMundo") já avisaram que vão participar da ALTERCOM.

Quem se associar pagará uma pequena contribuição (certamente, haverá valores diferenciados para "empresas" e "empreendedores individuais").

A ALTERCOM pretender ser uma entidade nacional, aberta. Pode ser um embrião para muitas experiências inovadoras. Tenho certeza.

Em 20 ou 30 dias, ela deve estar funcionando oficialmente, com registro em cartório, site, escritório de representação.

Blogueiros de todo o pais que quiserem participar devem ficar atentos. Em duas semanas, teremos mais novidades.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Movimentos populares realizam ato em defesa da liberdade de expressão em São Paulo





Manifestação acontece nesta 2a, às 10h30, e será um contraponto irreverente ao 1º Fórum Democracia e Liberdade de Expressão, organizado pelo Instituto Millenium num hotel de luxo na capital paulista. Protesto também será contra a criminalização dos movimentos sociais.



De forma irreverente, divertida e muito crítica, movimentos populares e organizações da sociedade civil que lutam pela democratização da mídia realizarão, na próxima segunda-feira (01/03/2010), às 10h30, um ato em frente ao hotel Golden Tulip, em São Paulo, em defesa da liberdade de expressão para todos e todas. No mesmo horário, acontecerá, num auditório do hotel, o 1º Fórum Democracia e Liberdade de Expressão, organizado pelo Instituto Millenium, formado por banqueiros, industriais e donos dos grandes meios de comunicação do país, para analisar "os problemas causados pela restrição a esse direito fundamental para a construção e o fortalecimento do Estado de Direito e a importância da criação de mecanismos que impeçam sua violação". O ingresso para participar do evento do Instituto Millenium custa R$ 500,00.


Já o "Fórum de Rua Democracia e Liberdade de Expressão - Contra a Criminalização dos Movimentos Sociais" será de graça, na rua. O objetivo é convidar a população de São Paulo a debater o tema e afirmar a liberdade de expressão como um direito de todos, e não apenas dos detentores de veículos de comunicação. A sociedade brasileira como um todo exerce seu direito à comunicação? Há uma pluralidade e diversidade de idéias e pontos de vista na grande mídia? Questões como essas estarão em discussão num púlpito aberto a quem quiser se manifestar.


A manifestação dá continuidade à mobilização da sociedade civil por uma mídia mais plural e democrática após a realização da I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), que aconteceu em dezembro, em Brasília. A Confecom aprovou uma série de resoluções acerca da promoção da diversidade e contra a concentração da propriedade dos meios de comunicação, mas as empresas que agora apóiam o evento do Instituto Millenium se recusaram a participar do debate público, convocado pelo governo federal, que envolveu mais de 20 mil pessoas em todo o país.


Na avaliação dos organizadores do Fórum de Rua, o seminário restrito que essas empresas agora realizam em São Paulo demonstra, mais uma vez, que os donos da mídia brasileira não estão abertos a discutir este tema fundamental com seus próprios leitores, ouvintes e telespectadores. Ao mesmo tempo, rotulam de censura qualquer tentativa de regulação dos meios de comunicação, colocando-as como ameaças à sua liberdade de expressão. O Fórum de Rua pretende mostrar os outros lados deste debate, que sequer chegam à população em geral por serem cerceados pelos grandes meios de comunicação.

Além das entidades e movimentos organizadores, a manifestação contará com a presença de artistas de rua, blogueiros, ativistas e parlamentares.


Serviço: Fórum de Rua Democracia e Liberdade de Expressão - Contra a Criminalização dos Movimentos Sociais

1º de março, às 10h30
Em frente ao Hotel Golden Tulip (Alameda Santos, 85 - Jardins)



terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Fantasmas argentinos assombram Tegucigalpa


O mais recente golpe de estado em Honduras contém um desses cadáveres escondidos, que assombram a história da América Latina. Hoje, com governos populares e nacionalistas encaminhando mudanças sociais, econômicas e políticas pela via constitucional, a direita prepara uma reação cuja retórica esconde esqueletos e mortos. As eleições legislativas argentinas do último domingo ajudam a entender essa retórica e os seus mortos no armário da impunidade com que a direita latinoamericana sempre golpeou seus povos. A análise é de Katarina Peixoto.


Agora que não é mais proibido falar das diferenças com respeito à verdade, na política, a busca pelos ratos mortos nos armários da direita se reveste de sentido. O mais recente golpe de estado em Honduras contém um desses cadáveres escondidos, que assombram a história da América Latina. O arbítrio contra a legitimidade é uma briga que vem ganhando conotações ao mesmo tempo mais complexas e temerárias. Por um lado, a condenação do governo Obama ao golpe não é um fato irrelevante, quando menos, porque revela um inédito comportamento de respeito à democracia. Isso também se estende à atitude honrosa da Organização dos Estados Americanos. O monstro ideológico que está se formando não pode ser visto com os olhos do infantilismo e do sectarismo esquemáticos de um mundo que acabou.

Uma das coisas que se aprende em qualquer doutrina penal democrática é que a imputabilidade de conduta ilícita é pessoal. E as lições e interpretações européias ou europeizantes sobre totalitarismo e des-responsabilização criminal não se aplicam a uma elite golpista e avessa à ordem constitucional, se é que se aplicam em caso algum. A direita latinoamericana não precisou de lições da Santa Igreja nem de impérios seculares para perpetuar extermínios, saques e arbítrios, ao longo de séculos.

Hoje, com governos populares e nacionalistas encaminhando mudanças sociais, econômicas e políticas pela via constitucional, e com as derrotas políticas e morais dos mais recentes intentos golpistas (na Venezuela, no Brasil, no Paraguai, na Bolívia, em Honduras), a direita prepara uma reação cuja retórica esconde esqueletos e mortos não suscetíveis a qualquer debate interpretativo. As eleições legislativas argentinas do último domingo ajudam a entender essa retórica e os seus mortos no armário da impunidade com que a direita latinoamericana sempre golpeou seus povos.

Num artigo publicado nesta página, a jornalista argentina Sandra Russo descreve com precisão do que se trata: querer ser eleito até se permite, mas querer um processo de mudança, não pode. Nem dentro das regras constitucionais, a manifestação mesma da vontade é o que é interdito. No caso do golpe em Tegucigalpa esse diagnóstico de Russo aparece assim: o golpe é um erro, mas Zelaya queria se perpetuar no poder! Essa mentira tem muitas versões e se diz de muitas maneiras. O texto de Sandra Russo, que já colaborou com Carta Maior na cobertura do Fórum Social Mundial em Belém, em janeiro deste ano, apresenta com rigor e elegância o monstro ideológico em gestação.

No que concerne às recentes eleições legislativas argentinas, que apresentaram o fenômeno do anti-kirchnerismo como novidade eleitoral, os mortos não estão sujeitos a interpretações. Na semana que se seguiu à vitória eleitoral da oposição ao casal Kirchner, o prefeito da Capital Federal e um dos dirigentes PRO (sigla da improvável Proposta Republicana), nomeou para a chefatura de Polícia Metropolitana de Buenos Aires Jorge “Fino” Palacios, policial acusado, entre outras coisas, de ter protegido suspeitos locais de participação no atentando a AMIA – Associação Mutual Israelita Argentina -, em 18 de julho de 1994, que deixou 85 mortos e nenhum condenado judicialmente, até agora.

Qual é mesmo a relação entre o brutal atentando – o segundo em Buenos Aires – contra a comunidade judaica e o golpe em Tegucigalpa? Quem é mesmo capaz de transitar de um acontecimento para outro assim, como se décadas não houvessem passado? Tem um velho ditado secular que diz o seguinte: “quando a pedra sai das mãos, ela cai nas mãos do diabo”.

Numa entrevista também publicada nesta página, o procurador responsável pela investigação do atentado da AMIA, Alberto Nísman, apresenta suspeitas e indícios de uma relação íntima entre responsáveis pelo atentado em 1994 e os “antikirchenristas” que comandam a Capital Federal. Maurício Macri, o prefeito que nomeou chefe de polícia um comissário aposentado suspeito de ter acobertado provas da investigação sobre o atentado contra a AMIA, disse algo importante quando foi eleito, em junho de 2007: “Hoje ganhou a cidade de Buenos Aires, ganhou a democracia, e o 'cambio' (a mudança). Não é uma mudança como slogan, mas que propõe outra política, outros valores, como não agredir os outros, não perseguir fantasmas do passado”.

Entre esses fantasmas assombrando Macri e os seus, estão os responsáveis pela ditadura Videla, que tem a marca inapagável de 30 mil exterminados desaparecidos. Responsáveis cuja condenação e julgamento são condenados, tanto por Macri, como por Menem. No seu improvável republicanismo também vale nomear para a chefatura de polícia alguém que obedeceu a ordens do irmão de Carlos Menem, Munir Menem, para interromper processos investigativos cujos indícios iriam, como o FBI depois reiterou, contribuir para o esclarecimento dos responsáveis, se não pelos 30 mil, pelo menos pelos 85 inocentes que naquele dia estavam na AMIA e que hoje são lembrados, para quem tem olhos de ver, naquelas placas dolorosas no pé das árvores jovens da Rua Pasteur.

O fantasma argentino que assombra Tegucigalpa é o dessa direita que odeia seu povo, que despreza a democracia e que sempre agiu às margens de qualquer regime constitucional. Com e sem constituição em vigor, é bom que se diga. A forma da retórica é, como diz Russo: eles podem até vencer eleição e ter um, dois mandatos, mas não podem querer um processo de mudança. Não podem querer. O conteúdo dessa retórica é imenso e começa a ser reconhecido a passos lentos, e resistentes. E tem entre suas vítimas muitos, como os 30 mil e os 85, mortos por “fantasmas”.



Fotos: Manifestação das Mães da Praça de Maio, em Buenos Aires

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Banda larga e direito à comunicação




Nas últimas semanas, o governo Lula agendou várias reuniões para discutir o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL). No geral, as avaliações dos participantes da sociedade civil são positivas. O amigo Marcos Dantas, professor da Escola de Comunicação da UFRJ, participou de um dos encontros com o presidente Lula e saiu animado. Entre outros avanços sinalizados pelo governo, ele destacou três pontos:

Avanços e pressão das operadoras

“1- O governo pretende fazer a banda larga chegar, até 2014, a 4.300 municípios, através dos troncos (backbone) da Eletronet e outros estatais, em parceria com operadoras de comunicações, provedores de internet, pequenas e médias empresas. 2- Pretende levar a banda larga às classes C, D e E, beneficiando cerca de 20 milhões de domicílios a mais do que aqueles que, conforme as projeções disponíveis, já seriam ‘naturalmente’ incorporadas à banda larga pela expansão do mercado. 3- pretende que o PNBL não seja ‘apenas’ de inclusão digital, mas seja parte de um programa de desenvolvimento econômico e social, incluindo também o fomento à produção de conteúdos nacionais para a internet e apoio ao desenvolvimento industrial-tecnológico”.

Já prevendo a chiadeira das empresas de telefonia, a maioria multinacionais, Dantas alertou em sua mensagem: “É possível que os lobbies de sempre e a grande mídia reduzam o plano a uma tentativa de ressucitar a Telebrás. Como pode ser observado, sequer citei esse nome na descrição acima. Não é o mais importante. Se a Telebras vier a ser ressucitada, será outra empresa, com reduzido número de funcionários, encarregada apenas de gerenciar a infra-estrutura já existente do estado, muito distante daquela Telebrás que um dia ofereceu satélites, troncos de comunicações, pesquisas tecnológicas e mais de 12 milhões de telefones à sociedade brasileira”.

Propostas do Coletivo Intervozes

O debate sobre o Plano Nacional de Banda Larga é estratégico na luta pela democratização dos meios de comunicação no país. Diante da violenta reação das poderosas empresas do setor e das manipulações da mídia corporativa, ele exigirá forte pressão e muita capacidade de elaboração dos movimentos sociais. Com o objetivo de contribuir com este debate, reproduzo abaixo as “propostas para o PNBL” elaboradas pelo Coletivo Intervozes, que encara “a banda larga como instrumento de avanço na efetivação da comunicação como um direito humano no Brasil”.

Objetivos do PNBL

a) Universalizar o acesso à banda larga no Brasil, na perspectiva de garantir o direito à comunicação dos cidadãos e cidadãs, no contexto das novas tecnologias e da sociedade da informação;

b) Ampliar o papel do Estado na área, posicionando-o tanto como provedor direto do serviço quanto como indutor da competitividade neste mercado, por meio da oferta de infra-estrutura a pequenos e médios operadores privados;

c) Promover o acesso não discriminatório e competitivo à infra-estrutura das operadoras;

d) Implementar medidas que promovam a apropriação da tecnologia pelos cidadãos e cidadãs.


Diretrizes do modelo

1) Criação do serviço de acesso à Internet em alta velocidade (banda larga) a ser prestado em regime público (conforme o Art. 18 da LGT), com participação de empresas privadas e públicas em todas as etapas do tráfego e provimento (backbones, backhauls e última milha)

O modelo de acesso à Internet em alta velocidade (banda larga) orientado exclusivamente pela dinâmica de mercado (prestado em regime privado) evidenciou sua incapacidade de atender às demandas da população brasileira. O caso da implantação da TV a cabo no país é uma amostra que, ao mercado, não interessa investir em regiões menos rentáveis.

No modelo brasileiro de telecomunicações, todo serviço de “interesse coletivo, cuja existência, universalização e continuidade a própria União comprometa-se a assegurar”, deve ser prestado em regime público.

A universalização, independentemente de localização e condição sócio-econômica, é essencial para a garantia da cidadania. Enquanto houver brasileiros sem acesso à banda larga, estaremos aumentando a desigualdade social e privando-os do seu direito humano à comunicação.

No regime público há condições de instituir obrigações às operadoras relativas ao alcance, à continuidade, à qualidade (incluída aí a velocidade) e ao controle tarifário do serviço. Essa proposta foi aprovada por unanimidade na 1a Conferência Nacional de Comunicação.

Para definir a banda larga como serviço a ser prestado em regime público, basta um decreto da Presidência da República (conforme o Artigo 18 da Lei Geral de Telecomunicações).

2) Estabelecimento das obrigações e metas a serem respeitadas pelos prestadores privados no que tange à universalização, aos preços, à continuidade, à velocidade e à qualidade do serviço

A orientação do mercado produziu um modelo marcado pela baixa penetração, altos preços e baixas velocidades do acesso à Internet em alta velocidade. Segundo dados da UIT, o Brasil está em 77º lugar na escala de preços, abaixo dos demais membros do Bric, o grupo dos grandes emergentes: Rússia (37º), Índia (73º) e China (75º).

Segundo dados divulgados em documento do Ministério das Comunicações, há uma grande discrepância entre os níveis de penetração da banda larga no Brasil e nos países da OCDE e também Argentina, México, Turquia, Chile e China [G6]. O Brasil apresenta penetração menor que a média da OCDE e do G6, do qual faz parte, ao longo dos anos. O mesmo documento afirma que “a comparação internacional das velocidades contratadas de download revela que a velocidade média do Brasil, em 2008, era menor que a da Argentina e do Chile”.

Número da UIT também mostram que o custo mensal da banda larga equivale a 9,6% da renda média per capita brasileira. Mesmo os brasileiros que pagam para ter acesso à banda larga estão fazendo um enorme esforço em seu orçamento. As leis do mercado fizeram, por exemplo, com que o número de paulistas ligados à rede veloz (2,4 milhões) seja maior que o de todos os clientes das regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste (2 milhões).

Fica explícita, portanto, a necessidade do estabelecimento de obrigações e metas aos prestadores de serviços privados, de forma a garantir a universalização, a continuidade, a qualidade no acesso, velocidade e modicidade nos preços de oferta da banda larga.

3) Implantar uma empresa pública (preferencialmente a Telebrás) que, diretamente ou em parceria com outros órgãos estatais (como governos estaduais e prefeituras), disponibilize tanto infra-estrutura para prestadores privados (comerciais ou não-comerciais) quanto o serviço na casa do cidadão.

Aproximadamente 55,7% dos domicílios “estão em condições geográficas e/ ou de renda incapazes de atrair a oferta de Internet em banda larga”. As operadoras comerciais não têm condições de oferecer uma solução para atender a esse enorme contingente.

A entrada da Telebrás representaria uma alternativa de provimento do serviço para todo o conjunto de cidadãos, que dificilmente serão atendidos pelo mercado. É preciso haver um operador que tenha metas sociais, e não apenas econômicas, de forma que o Estado garanta o direito à comunicação dos cidadãos. No horizonte, deve estar a gratuidade na oferta do serviço à população, visto que hoje o preço é a maior barreira para o acesso à banda larga nas regiões onde o serviço já é ofertado.

A atuação da Telebrás não pode se limitar aos municípios em que não há acesso ou nos quais o preço é exorbitante, sob pena de não atender à demanda de cidadãos sem condições de obter acesso nas áreas em que oferta privada existe (hoje, mais de 90% dos municípios) ou que possuam serviços a preços não-exorbitantes.

A verticalização do mercado e o comando da infra-estrutura pelas grandes operadoras é um obstáculo ao funcionamento de pequenos e médios provedores. Atualmente, várias iniciativas de cidades digitais são frustradas por conta dos gargalos criados pelos escorchantes preços cobrados pelas operadoras privadas. Um operador estatal pode viabilizar a concorrência na última milha.


Parceria com prefeituras

Segundo entendimento da Anatel consolidado no Ato nº 66.198, de 27 de julho de 2007, de seu Conselho Diretor, as prefeituras municipais não podem prestar o serviço de internet diretamente à população em caráter oneroso, oferecendo o serviço apenas por meio de uma empresa pública ou abrindo sua rede gratuitamente aos usuários. Em associação com a Telebrás, as prefeituras e associações sem fins lucrativos podem ter papel essencial na prestação de serviços à população, sem passar pelos caríssimos gargalos criados pelas operadores privadas, em geral operadoras de telefone fixo que operam um monopólio na área, oferecendo a última milha ao cidadão.

4) Promover a regulação da gestão das redes a partir da desagregação entre detentores e prestadores de serviço, bem como do acesso não discriminatório e competitivo à infra-estrutura de tráfego de dados

A organização vertical do mercado, com um mesmo operador controlando a infra-estrutura e prestando os serviços, gera altos preços e baixíssima concorrência. Uma empresa que opera do controle da infra-estrutura ao serviço que chega na casa do cidadão buscará sempre maximizar a integração de seus bens e serviços e dificultar a ação dos seus concorrentes, especialmente quando eles dependem de suas redes.

A separação estrutural promove a concorrência, pois a operação exclusiva do tráfego de dados no atacado motiva os operadores a oferecer condições favoráveis para diversos prestadores de serviço, e o fato de não ter que contratar a infra-estrutura de seus concorrentes os protege de práticas anti-competitivas.

Na gestão das redes, deve ser garantida a neutralidade do detentor de infra-estrutura no tratamento das informações, sem nenhum tipo de interferência discriminatória na velocidade de transmissão ou no conteúdo transmitido.

5) A gestão do PNBL deve ser realizada por um conselho ou órgão com a participação do governo federal e de todas as esferas estatais envolvidas na sua implantação, bem como por representações da sociedade civil.

O volume e a complexidade de políticas na implantação do Plano Nacional de Banda Larga demanda uma nova estrutura administrativa para além daquelas já existentes no governo federal, que integre os órgãos envolvidos no extenso conjunto de ações. A participação das diversas esferas estatais envolvidas na implantação do Plano reforça seu caráter federativo e legitima a importância dos estados e municípios na definição dos rumos da iniciativa.

A participação de representações da sociedade civil é proclamada como uma importante bandeira nesta gestão, além de ser mecanismo para aproximar as políticas públicas dos cidadãos e de seus reais interesses. No caso das empresas, uma presença significativa do setor neste órgão constitui um perigo, pois daria a estes atores a prerrogativa de definir o ambiente de mercado em que atuam.


Além do acesso

O PNBL deve ir além das políticas de acesso e prever ações de formação e capacitação, estímulo à produção e difusão de conteúdo na rede, bem como modelos democráticos para a regulação dos protocolos e conteúdos, garantindo a plena inserção dos cidadãos e cidadãs no mundo IP. Neste sentido, é necessário:

- Estabelecer uma agenda regulatória para a normatização dos protocolos, em especial a modelagem da neutralidade de rede, de modo a promover padrões livres ou fortemente acessíveis e democráticos;

- Estabelecer uma agenda regulatória para os conteúdos nos serviços baseados em protocolos IP, de modo a garantir a circulação democrática, plural e diversa de opiniões e expressões culturais;

- Instituir uma política de governo eletrônico, crianço uma cesta de serviços e de mecanismos de participação popular através do acesso à rede.


Mecanismos participativos

Pela sua relevância, o PNBL deve ser alvo de intenso debate, envolvendo os diversos setores e cidadãos em geral que ainda não tiveram a oportunidade de apresentar sua visão ao governo federal. Neste sentido, o Intervozes propõe a publicação da proposta do Plano para consulta pública por no mínimo um mês; a realização de audiências públicas em pelo menos 8 capitais, contemplando todas as regiões; e a promoção do debate sobre o Plano nas estruturas de comunicação do governo federal.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Uma Bolsa Família Internacional para o Haiti?


Se no Brasil o Bolsa-Família foi capaz de assegurar alimentação diária para 44 milhões de seres humanos que viviam , ou melhor, vegetavam dormindo e acordando com fome, como não será possível que algumas dezenas de países juntos, sobretudo os ricos, destinassem parte de seus recursos para assegurar a 10 milhões de haitianos que possam alimentar-se regularmente, enquanto o país é reconstruído? O artigo é de Beto Almeida.


O presidente Lula, escolhido como o estadista do ano, poderia propor ao mundo a implantação de um programa Bolsa-Família Internacional para o Haiti. Se no Brasil o Bolsa-Família foi capaz de assegurar alimentação diária para 44 milhões de seres humanos que viviam , ou melhor, vegetavam dormindo e acordando com fome, como não será possível que algumas dezenas de países juntos, sobretudo os ricos, destinassem parte de seus recursos para assegurar a 10 milhões de haitianos que possam alimentar-se regularmente, enquanto o país é reconstruído?

É verdade que muitos países estão já repartindo parte de suas receitas com os haitianos. O Brasil aprovou recursos de 350 milhões de reais para a ilha caribenha. Cuba mandou para lá cerca de 60 médicos e já está montando o quinto hospital de campanha, com a ajuda dos países que formam a ALBA – Aliança Bolivariana dos Povos da América.

A Unasur estará reunindo-se por estes dias também para propor uma ação concreta de ajuda ao Haiti.

Mas, a diferença de um Programa Bolsa-Família Internacional é que daria regularidade, sustentação e promoveria o compromisso da comunidade internacional com a sorte daquele povo que já sofreu invasões militares tanto de franceses como de norte-americanos, que já teve seus recursos rapinados, que foi obrigado a pagar uma dívida escorchante com a França, que teve que suportar uma sanguinária ditadura apoiada pelos EUA e agora tem que reconstruir-se todo após o terremoto. É evidente que com uma pequena parcela do que estes países ricos gastam em armamentos, em cosméticos, em comida para cachorro, em alcool e guloseimas, já seria possível garantir o funcionamento de um Bolsa-Família no Haiti. O que deve ser indagado, com veemência, é se querem mesmo salvar o Haiti, como afirmam neste circo midiático que se formou ou se vão, uma vez mais, condenar o Haiti à morte?

No caso brasileiro, também é importante que além dos médicos, alimentos, medicamentos, veículos e maquinário para realização de obras de infra-estrutura, o Batalhão de Engenharia do Exército Brasileiro, os programas de reconstrução que Lula está direcionando para o Haiti incluíssem a proposta de Bolsa-Família Internacional. Isto porque não é difícil prever, lamentavelmente, que um país que já praticamente não tinha uma economia de pé, que teve sua agricultura destruída colonialismo, agora, após um terremoto deste porte, venha a sofrer também efeitos catastróficos da fome e da desnutrição. Sem contar, infelizmente, com alguma possibilidade grave de epidemias, como alertam já os profissionais de saúde.

Rádio Solidariedade
O Bolsa-Família, por meio do cadastramento das mães, permitiria salvar as crianças, a parte mais frágil de tudo isto, bem como os idosos e enfermos. O uso do rádio pode ser decisivo para orientar e dar informações de utilidade pública para toda uma população que hoje vive sob barracas, ao relento, sem endereço, sem instalações sanitárias, sem água, luz etc. Por isso, é positiva a idéia de algumas entidades sindicais e comunitárias brasileiras de coletar milhares de radinhos de pilha e doar ao Exército Brasileiro para distribuir entre os haitianos. Assim, os haitianos podem ser alcançados pela programação da Rádio ONU, por exemplo, ou outra que cumpra a função social e humanitária, rigorosamente obrigatórias. A depender de avaliação do Exército - consultas estão em curso - estas entidades poderiam também enviar transmissores de rádios comunitárias, desde que assegurado o seu funcionamento seguro e adequado, já que há ainda a atuação de grupos armados que organizam saques.

Assim, caberia também ao governo pensar na instalação de um Ponto de Cultura do Minc por lá, tal como o já existente em Caracas. Assim, a solidariedade brasileira ao Haiti ganharia em qualidade com a participação popular, tal como está propondo o MST, disposto a enviar técnicos agrícolas, sementes, ferramentas. Vale lembrar que relatório da Fao indica que existe uma produção de feijão com risco de perda já que os haitianos tudo perderam, estão cuidando dos enfermos, não tem transporte, não há infra-estrutura para promover esta colheita. Quantas brigadas de solidariedade não se enviaram à Nicarágua e a Cuba para a colheita do café da cana. É hora de refazê-las. O movimento estudantil, os sindicatos, as universidades brasileiras também poderiam oferecer ajuda, seja coletando os radinhos, ou sementes, seja desenvolvendo programas técnicos adequados para a situação, seja por meio do envio de brigadas, que atuariam em coordenação com o Exército Brasileiro, conformando uma aliança cívico-militar que já atuou de forma muito positiva em nossa História, por exemplo, na Campanha “O Petróleo é Nosso”, que resultou na criação da Petrobrás.

Integração latino-americana e caribenha
Há uma disputa de ocupação estratégica naquela região. Mesmo nas tragédias s planos mais sinistros vicejam. Se há supostos missionários dos EUA presos por tentarem seqüestrar crianças haitianas....como denunciou a Telesur. O Brasil tem realizado obras importantes no Caribe, com a presença de suas empresas estatais - como a Petrobrás que está ampliando e modernizando o Porto de Mariel , em Cuba - e esta presença deveria ser consolidada, qualificada, obviamente , não com o sentido colonialista como se aventa maliciosamente nas páginas do jornalismo de desintegração. O sentido deve ser o de promover a legítima e necessária integração dos países da América latina e Caribe. No Caribe está a Quarta Frota dos EUA, que despejaram mais de 13 mil fuzileiros no Haiti. Por ali também navega a Frota Russa. Ali está a Venezuela nacionalizando seus recursos e onde estão importantes empresas estatais e privadas brasileiras. E sabemos que não é apenas no filme “Avatar” que o complexo militar-industrial possui planos agressivos contra a Pátria de Bolívar.

Já Cuba tem hoje no Haiti 600 médicos. Já tinha centenas antes do terremoto, além de programas de alfabetização em dialeto creole, desenvolvido por pedagogos cubanos, com o uso criativo do rádio. Detalhe: em Cuba já não há mais analfabetismo, há décadas! E agora o país também está enviando para Porto-Príncipe jovens haitianos que estudam na Escola de Latinoamericana de Medicina, localizada em Havana. Nesta Escola também estudam, gratuitamente, 500 jovens estadunidenses, em sua maioria negros e pobres dos bairros do Harlem e do Brooklin. Alguns destes estudantes estadunidenses também estão sendo enviados para o Haiti para atender os enfermos.

O episódio caracteriza uma situação muito interessante para ser examinada não à luz da medicina, mas da política: o mais rico país do mundo, que tem o maior número de médicos do mundo, que tem também o maior orçamento militar de todo o mundo, desembarca 13 mil soldados no país destroçado. E Cuba, que é um país de escassos recursos materiais, além de permitir que jovens pobres e negros estadunidenses formem-se em medicina - um deles declarou que se continuasse no Harlem provavelmente cairia nas mãos do narcotráfico - os envia para prestar solidariedade a um povo negro e irmão, evidenciando o sentido simbolicamente antagônico das duas iniciativas. Lá no Haiti, este estudante armado de idéias, de sabedoria e uma consciência de medicina social, tal como o Che praticou, quando se defrontar cara a cara com um mariner armado, preparado para matar, revelará ao mundo uma das mais generosas lições do dolorido Haiti.

Beto Almeida é membro da Junta Diretiva da Telesur e presidente da TV Cidade Livre de Brasília

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Grande mídia isolada do Brasil



Venício A. de Lima
Observatório da Imprensa

Trabalhando em algumas capitais estaduais ou na Praça dos Três Poderes, em Brasília, os chamados "formadores de opinião" da grande mídia – sobretudo jornais e emissoras de TV – acabam por se isolar do cotidiano da maioria da população brasileira. Acredito que faria muito bem a eles viajar, periodicamente, pelo interior do Brasil. Não importa a região, o estado ou até mesmo as cidades visitadas. A exceção talvez seja o interior de São Paulo, área onde são distribuídos dois dos três jornalões que se consideram nacionais.

Os "formadores de opinião" deveriam aproveitar a viagem e puxar prosa com gente comum em locais como postos de gasolina, restaurantes de beira de estrada (ou não), hospedarias, botequins, museus, igrejas... E, sobretudo, ouvir. Ouvir quais são as fontes de informação preferidas, com o que se preocupa, quais informações interessam e qual a visão que essa gente comum tem do país e de seus problemas.

Exemplos: perguntado sobre o porquê de as TVs permanecerem ligadas 24h no saguão e no restaurante de um hotel de nível médio, o garçom respondeu: "É norma do hotel, mas ninguém aguenta. É só notícia ruim. Mas também ninguém presta atenção. Fica aí falando sozinha...". Ou o morador que opina sobre o serviço de som da igreja matriz que "entra no ar" várias vezes ao dia: "É bom porque dá notícia tanto boa quanto ruim e a gente pode acreditar".

Se a hybris que aflige a maioria dos jornalistas permitisse, os "formadores de opinião" constatariam que seu celebrado poder – se algum dia de fato existiu – está sendo minado pela internet, acessível através de uma avalanche de novas tecnologias e por uma consciência ainda difusa de que não se pode acreditar, sem mais, no que diz a televisão, o jornal e o rádio, nesta ordem.

Os "formadores de opinião" seriam ainda surpreendidos com a renovada valorização da mídia local, seja o velho serviço de alto-falante da igreja matriz, os barulhentos carros de som que percorrem as ruas das cidades ou as rádios comunitárias, em boa parte vinculadas a alguma denominação religiosa.

E os jornais?

Pergunte a um morador qualquer do interior do país se ele conhece – não se lê – algum de nossos jornalões que se dizem "nacionais". A grande maioria não conhece e, portanto, não lê. Procure saber qual o reparte que chega a determinada localidade do maior jornal do estado – para assinantes ou para venda avulsa. Dez exemplares (ou menos) para cidades pequenas e até médias.

Essas respostas certamente darão sentido ainda mais concreto aos impressionantes números divulgados pelo IVC no início deste mês relativos ao ano de 2009: a circulação média da Folha de S.Paulo é de 295 mil exemplares/dia e caiu 5%; do jornal O Globo, de 257 mil e caiu 8,6%; e do Estado de S.Paulo, de 213 mil e caiu 13,5% (ver "Indústria de jornais – Circulação diminui em 2009" ).

"Tudo continuará como sempre esteve"

Essas "impressões de viagem" vêm sendo confirmadas há anos e sempre recolocam a eterna questão do poder e da importância da mídia tradicional na formação da opinião pública, incluída aqui a onipresente televisão (ver, neste Observatório, "A soberania onipresente da TV" e "Lições sabidas e nem sempre lembradas").

Não é novidade a supremacia das preocupações locais sobre as regionais e as nacionais, vale dizer, das questões próximas sobre aquelas mais distantes. É apropriado transcrever um parágrafo publicado aqui mesmo no OI, dois anos atrás:

"Nada é mais importante para o cidadão comum do que aquilo que ocorre ao seu lado, com o seu vizinho; e que pode, portanto, acontecer com ele próprio. A sociabilidade é construída a partir dos temas locais e regionais. Isto potencializa o papel da rádio comunitária, da FM e dos jornais locais e regionais (quando existem). A agenda midiática nacional de entretenimento ou jornalismo (televisiva, sobretudo) interage com a temática local, mas ocupa um indisfarçável segundo plano."

Ao contrário da grande mídia que insiste em acreditar que o cidadão comum está o tempo todo "seguindo" como twitteiro o que fazem em Brasília o presidente e seus ministros; os deputados federais e os senadores, e os juízes do STF, ele, na verdade, está "seguindo" o que fazem os políticos mais próximos de sua vizinhança e parece perceber a capital federal como uma cidade de ficção, habitada por políticos necessariamente corruptos e gente diferente do resto da população do país.

Se essas "impressões" estiverem corretas, é de se esperar alguma mudança no comportamento da grande mídia?

No caso dos jornalões, certamente não. Seu crescente "isolamento" da maioria da população transformou-se em estratégia de sobrevivência no mercado. Esta é uma das razões porque seus "formadores de opinião" procuram agradar a um grupo cada vez mais reduzido de pessoas. O rádio deverá ficar cada vez mais local e regional. E a televisão onipresente, mas com a audiência em queda, parece se agarrar à espetacularização de toda a sua programação. E com isso, despenca sua credibilidade.

Novos tempos. Nova mídia. Novos atores. Novos poderes. E muitos ainda acreditam que tudo continuará como sempre esteve.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Instituto Millenium, catalisador de ideias conservadoras

Apoiado por barões da mídia e das finanças, organização pretende promover ideais como a economia de mercado e a meritocracia



Adriano Andrade,
do Rio de Janeiro (RJ)


Antes do golpe civil-militar de 1964, houve no Brasil duas instituições de atuação interligada: o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES), financiados por empresários nacionais e estadunidenses. Embora não tenham resistido até o golpe, foram responsáveis por promover a agitação intelectual que nele resultou. Em 2005, surge no Rio de Janeiro uma instituição em diversos aspectos semelhante. O Instituto Millenium foi criado como um think tank, uma organização para promover ideais de direita. Defendem a propriedade privada, a economia de mercado, a democracia representativa e a meritocracia. Embora não possuam vínculo formal, é o principal entusiasta da entrada da UnoAmerica no país, ao lado da Academia Brasileira de Filosofia.

O instituto é presidido por Patrícia Carlos de Andrade. Ex-mulher de um ex-integrante do Banco Central, foi analista de economia e política nos bancos Icatu e JPMorgan. Há quatro anos passou a se dedicar de forma voraz à construção do Instituto Millenium. Patrícia é filha do falecido jornalista Evandro Carlos de Andrade. Em 1995, ele passou a coordenar a Central Globo de Jornalismo e sua gestão é tida como responsável por dar maiores feições de “imparcialidade” e “seriedade” ao jornalismo global – na verdade, parcialidade hipócrita e defesa mascarada dos interesses da burguesia.

Os vínculos do instituto com a grande mídia não param por aí. Entre os dez principais mantenedores, estão João Roberto Marinho, das Organizações Globo, Roberto Civita, da Editora Abril, e Washington Olivetto, da W/Brasil. O Conselho Editorial é capitaneado por Eurípedes Alcântara, diretor de redação da revista Veja. Entre os integrantes, está Pedro Bial, o comentarista de múltiplos assuntos Carlos Alberto Sardenberg e o intelectual preferido da direita Demétrio Magnoli. Os “especialistas” propagandeados pelo instituto também têm passagem frequente pela mídia. Quando o assunto era a criação da CPI da Petrobras, por exemplo, Alexandre Barros era a voz do momento. Foi o governo federal anunciar suas políticas para o pré-sal, Adriano Pires, também indicado pelo instituto, ganhou projeção nos telejornais considerando ruim o projeto, porque seria “estatizante”.

O gestor do fundo patrimonial é ninguém menos do que Armínio Fraga, presidente do Banco Central de 1999 a 2002. Seu antecessor, Gustavo Franco, também integra o time. Entre os membros do instituto também estão os delegados da UnoAmerica no Brasil, Heitor de Paola e Graça Salgueiro. Já entre os mantenedores, Jorge Gerdau (Gerdau), Sergio Foguel (Odebrecht), Pedro Henrique Mariani (Banco BBM), Salim Mattar (Localiza), Marcos Amaro (Amarco Participações – TAM), Maristea Mafei (Máquina de Notícias) e William Ling (Petropar). O instituto promove anualmente o que chamam de “Dia da Liberdade de Impostos”. Para se ter uma ideia do nível de conservadorismo de seus integrantes, Patricia, Heitor e Graça assinaram, em 2002, o “Manifesto contra a ditadura esquerdista na mídia”, de Olavo de Carvalho. O documento protestava contra um suposto predomínio de valores progressistas na mídia brasileira. (AA)



terça-feira, 26 de janeiro de 2010

David Harvey defende transição anti-capitalista

Após a derrocada da União Soviética e dos regimes socialistas do Leste Europeu, e a queda do Muro de Berlim, falar em anti-capitalismo tornou-se proibido. O comunismo fracassou, o capitalismo triunfou e não se fala mais no assunto: essa mensagem cruzou o planeta adquirindo ares de senso comum. Mas os muros do capitalismo seguiram em pé e crescendo. E excluindo, produzindo crises, pobreza, fome, destruição ambiental e guerra. Para David Harvey, o capitalismo entrou em uma fase destrutiva que recoloca a necessidade de se voltar a falar de anti-capitalismo, socialismo e comunismo.

Marco Aurélio Weissheimer
Em Carta Maior

Por que é preciso pensar em uma transição anti-capitalista? E o que seria tal transição? A participação de David Harvey, professor de Geografia e Antropologia da City University, de Nova York, no seminário de avaliação de 10 anos do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, foi uma tentativa de responder estas perguntas. A resposta, na verdade, inclui, em primeiro lugar, uma justificativa da pertinência das perguntas. Após a derrocada da União Soviética e dos regimes socialistas do Leste Europeu, e a queda do Muro de Berlim, falar em anti-capitalismo tornou-se proibido. O comunismo fracassou, o capitalismo triunfou e não se fala mais no assunto: essa mensagem cruzou o planeta adquirindo ares de senso comum. Mas os muros do capitalismo seguiram em pé e crescendo. E excluindo, produzindo pobreza, fome, destruição ambiental, guerra...

E eis que, nos últimos anos, voltou a se falar em anti-capitalismo e na necessidade de pensar outra forma de organização econômica, política e social. David Harvey veio a Porto Alegre falar sobre isso. Para ele, a necessidade acima citada repousa sobre alguns fatos: o aumento da desigualdade social, a crescente corrupção da democracia pelo poder do dinheiro, o alinhamento da mídia com este grande capital (e seu conseqüente papel de cúmplice na corrupção da democracia), a destruição acelerada do meio ambiente. Esse cenário exige uma resposta política, resume Harvey. Uma resposta política, na sua avaliação, de natureza anti-capitalista. Por que? O autor de “A produção capitalista do espaço” apresenta alguns fatos de natureza econômica para justificar essa afirmação.

O capital fictício e a fábrica de bolhas

O capitalismo, enquanto sistema de organização econômica, está baseado no crescimento. Em geral, a taxa mínima de crescimento aceitável para uma economia capitalista saudável é de 3%. O problema é que está se tornando cada vez mais difícil sustentar essa taxa sem recorrer à criação de variados tipos de capital fictício, como vem ocorrendo com os mercados de ações e com os negócios financeiros nas últimas duas décadas. Para manter essa taxa média de crescimento será preciso produzir mais capital fictício, o que produzirá novas bolhas e novos estouros de bolhas. Um crescimento composto de 3% exige investimentos da ordem de US$ 3 trilhões. Em 1950, havia espaço para isso. Hoje, envolve uma absorção de capital muito problemática. E a China está seguindo o mesmo caminho, diz Harvey.

As crises econômicas nos últimos 30 anos, acrescenta, repousam (e, ao mesmo tempo, aprofundam) na disjunção crescente entre a quantidade de papel fictício e a quantidade de riqueza real. “Por isso precisamos de alternativas ao capitalismo”, insiste. Historicamente essas alternativas são o socialismo ou o comunismo. O primeiro acabou se transformando em uma forma menos selvagem de administração do capitalismo; e o segundo fracassou. Mas esses fracassos não são razão para desistir até por que as crises do capitalismo estão se tornando cada vez mais freqüentes e mais graves, recolocando o tema das alternativas. Para Harvey, o Fórum Social Mundial, ao propor a bandeira do “outro mundo é possível”, deve assumir a tarefa de construir um outro socialismo ou um outro comunismo como alternativas concretas.

A irracionalidade do capitalismo

“Em tempos de crise, a irracionalidade do capitalismo torna-se clara para todos. Excedentes de capital e de trabalho existem lado a lado sem uma forma clara de uni-los em meio a um enorme sofrimento humano e necessidades não satisfeitas. Em pleno verão de 2009, um terço dos bens de capital nos Estados Unidos permaneceu inativo, enquanto cerca de 17 por cento da força de trabalho estava desempregada ou trabalhando involuntariamente em regimes de meio período. O que poderia ser mais absurdo que isso!” – escreve Harvey em seu livro “O enigma do capital”, que deve ser lançado em abril de 2010 pela editora Profile Books. Ele descarta, por outro lado, qualquer inevitabilidade sobre o futuro do capitalismo. O sistema pode sobreviver às crises atuais, admite, mas a um custo altíssimo para a humanidade.

Não basta, portanto, denunciar a irracionalidade do capitalismo. É importante lembrar, assinala Harvey, o que a Marx e Engels apontaram no Manifesto Comunista a respeito das profundas mudanças que o capitalismo trouxe consigo: uma nova relação com a natureza, novas tecnologias, novas relações sociais, outro sistema de produção, mudanças profundas na vida cotidiana das pessoas e novos arranjos políticos institucionais. “Todos esses momentos viveram um processo de co-evolução. O movimento anti-capitalista tem que lutar em todas essas dimensões e não apenas em uma delas como muitos grupos fazem hoje. O grande fracasso do comunismo foi não conseguir manter em movimento todos esses processos. Fundamentalmente, a vida diária tem que mudar, as relações sociais têm que mudar”, defende.

“Precisamos falar de um mundo anti-capitalista”

Harvey está falando da perspectiva de um possível fracasso do capitalismo, de um ponto de instabilidade que afete as engrenagens do sistema. Mais uma vez, ele não aponta nenhuma inevitabilidade ou destino histórico aqui. Trata-se de um diagnóstico sobre o tempo presente. “O capitalismo entrou numa fase de cada vez mais destruição e cada vez menos criação”. E quais seriam, então, as forças sociais capazes de organizar um movimento anti-capitalista nos termos descritos acima? A resposta de Harvey é curta e direta: Hoje não há nenhum grupo pensando ou falando disso. “As ONGs e movimentos sociais que participam do Fórum precisam começar a falar de um mundo anti-capitalista. A esquerda deve mudar seus padrões mentais. As universidades precisam mudar radicalmente”.

A justificativa desses imperativos? Harvey dá mais um exemplo da “racionalidade” capitalista atual. Em janeiro de 2008, 2 milhões de pessoas perderam suas casas nos EUA. Essas famílias, em sua maioria pertencente às comunidades afroamericanas e de origem hispânica, perderam, no total, cerca de 40 bilhões de dólares. Naquele mesmo mês, Wall Street distribuiu um bônus de 32 bilhões de dólares para aqueles “investidores” que provocaram a crise. Uma forma peculiar de redistribuição de riqueza, que mostra que, nesta crise, muitos ricos estão fincando ainda mais ricos. “Estamos vivendo um momento de negação da crise nos EUA. Os trabalhadores, e não os grandes capitalistas, é que estão sendo apontados como responsáveis. É por isso que precisamos de uma transformação revolucionária da ordem social”.