Gika Resende
do Rio de Janeiro (RJ)
Refugiado em seu próprio país. Assim se sente Luís Carlos de Oliveira, de 59 anos. Este pescador não vê a mãe, o pai, irmãos e filhos há exatamente um ano. Longe do local onde nasceu, cresceu e começou a exercer sua profissão, ainda aos nove anos, ele tenta se fortalecer e fugir da solidão tomando nota de pensamentos em um caderninho.
“A vida parece uma pista de corrida cheia de desejos e obstáculos. Basta ultrapassá-los. Nunca fui muito de escrever, mas agora tenho sentido vontade. É importante registrar a luta contra os desmandos dessa empresa”, conta, referindo-se à ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), cuja construção na baía de Sepetiba, no Rio de Janeiro, vem afetando seriamente o meio ambiente e a comunidade local, segundo movimentos sociais da região.
Sair de Jesuítas, no bairro Santa Cruz, zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, não foi uma escolha, mas sim uma imposição do atual modelo de desenvolvimento implantado no país. Desde o início das obras da TKSCA, ele e outros pescadores foram responsáveis por motivar a população local a reivindicar seus direitos.
Ameaça de morte
À frente da Associação dos Pescadores dos Cantos dos Rios (Apescari), Luís Carlos organizou manifestações no mar e na porta da transnacional. Com as denúncias sobre o envolvimento de milicianos na segurança da empresa, a devastação ambiental e o uso privado de locais que eram excelentes viveiros de pesca, o pescador passou a ser ameaçado de morte.
A coerção, que primeiro era feita cotidianamente por telefone, passou a ser presencial. Certa vez, ao sair de casa, um carro encostou-se no dele, o vidro baixou e lhe mostraram uma arma. “Senti como um aviso de morte e tive que sair de casa de vez. Depois que fui embora, eles foram até a minha casa três vezes, perguntaram por mim no entorno. Chegaram a entrar e queimar roupas no quintal. O preço de enfrentar a destruição que essa empresa trouxe tem sido muito alto. Com certeza esse é o maior obstáculo que eu já enfrentei na vida”, admite, com a voz embargada.
Emoção e coragem são características bem perceptíveis neste pescador, que precisa usar cadeira de rodas para se locomover. As pernas secas por uma paralisia infantil, adquirida aos dois anos, nunca o impediram de levar uma vida de conquistas, mesmo com tanto sofrimento. Esteve internado dos sete aos 12 anos e teve que estudar no hospital.
Mas ele não traz à memória apenas lembranças tristes da juventude. Imagens de uma baía de Sepetiba farta e bonita não faltam. “Quando era pequeno, o médico me recomendou passar a lama medicinal do mangue e das praias nas pernas. Ficava de lama até a cintura. Era ótimo, muito bom para circulação. Agora está tudo contaminado de metal pesado, tudo sujo, os peixes estão mais uma vez morrendo”, compara.
Proteção federalHoje, Luís Carlos faz parte do Programa Federal de Defensores dos Direitos Humanos, que, além de um local seguro de moradia, disponibilizou um salário mínimo para sua sobrevivência. “Eu mando todo o dinheiro do Programa para a minha família. Por ser cadeirante, também recebo um salário mínimo pela Previdência. É com ele que tenho vivido, já que ainda não consegui reestruturar minha vida”.
Antes de ter sua atividade econômica totalmente inviabilizada com a chegada da empresa, o pescador chegou a obter, apenas com a pesca, renda de cinco salários mínimos. O barco de trabalho, construído por ele mesmo com a ajuda de um companheiro de profissão, hoje está danificado. “Fora da baía meu barco rachou, não serve mais. Gostaria de conseguir um novo, arrumar outro local para poder pescar. Não gostaria de ficar por muito mais tempo nessa situação. Foi com trabalho que consegui tudo na vida”, conta.
Invisível
O desrespeito aos modos de vida dos pescadores dentro de seu próprio país deixa Luís Carlos inconformado. Mesmo tendo participado de audiências públicas no Rio e em Brasília, mandado cartas ao Ministério Público e conversado com jornalistas de grandes meios de comunicação, suas denúncias contra a empresa nunca ganharam a devida visibilidade.
“O que se passa na baía de Sepetiba foi parar nos jornais da Alemanha. Tive mais voz no parlamento alemão do que no brasileiro. Já fui duas vezes a Brasília, tentei falar com o presidente Lula e ele nunca me recebeu. Tentei falar com o ministro da Pesca e mandaram o secretário conversar comigo. Pedi que olhassem para a baía de Sepetiba, para a população que vai ficar doente com tanta poluição. Nada aconteceu”, relata.
Luís Carlos acredita que não mais poderá voltar a viver em Santa Cruz. Longe da baía de Sepetiba, sente saudade de sua rotina: levantar todos os dias às cinco da manhã, sair para pescar e voltar apenas no final da tarde com o barco cheio de tainhas, corvinas, pescadas, guaibiras e piraúnas. A diferença entre esta e as outras histórias de pescador é que ela não é engraçada, não possui floreios ou traços de ficção. Quem dera tivesse.
Nenhum comentário:
Postar um comentário