Nota da Comissão Paulista Pró-Confecom
A convocação, pelo governo federal, da 1ª Conferência Nacional de Comunicação Social (Confecom) materializou um projeto histórico dos movimentos sociais, grupos e entidades engajados na luta pela democratização da comunicação social no Brasil. É um acontecimento de extraordinária relevância política, social e cultural, visto que nosso país exibe um dos sistemas de mídia mais concentrados do mundo (em aberta contraposição aos preceitos da Constituição Federal), voltado majoritariamente para fins mercantis e com escassa participação pública. A realização da Confecom abre à sociedade brasileira, desse modo, a possibilidade de apontar mudanças substanciais no panorama atual, capazes de permitir o reconhecimento da comunicação social como direito humano fundamental, indispensável à construção de uma sociedade democrática, livre de desigualdades sociais e injustiças.
É profundamente lamentável, portanto, o teor do Regimento que a Comissão Organizadora Nacional acaba de aprovar, pois cobre de incertezas a realização da Confecom, na medida em que normas fundamentais — de composição dos segmentos (poder público, sociedade civil e empresariado); proporção das delegações estaduais no cômputo geral dos participantes; e quórum para aprovação de resoluções — ferem a democracia e não se coadunam, sequer, com a tradição das conferências nacionais de outros setores.
O governo, infelizmente, dobrou-se à chantagem do empresariado, que impôs a adoção de normas altamente restritivas como condição para participar da Confecom. Os empresários do setor de mídia e telecomunicações (segmento inadequadamente designado como “sociedade civil empresarial”) terão direito a eleger nada menos do que 40% dos delegados, uma aberração total, inédita na história das conferências. Estarão, assim, super-representados, uma vez que essa proporção nem de longe corresponde à real participação numérica do empresariado na sociedade, que é muito inferior a 40%. Não bastasse o fato de que empresas poderosas como Globo, Abril, Folha, SBT, Record, RBS, e os monopólios midiáticos regionais e locais praticantes do “coronelismo eletrônico”, poderão bombardear a população com suas próprias versões dos embates travados na Confecom.
O poder público ficará com 20% dos delegados. A sociedade civil, ou seja, os movimentos sociais, grupos e entidades envolvidos na luta pela democratização dos meios de comunicação, terão direito apenas aos restantes 40% dos delegados, a mesma proporção reservada aos empresários! Dessa forma, a sociedade civil, principal interessada na transformação do atual sistema de mídia, de modo a torná-lo compatível com as exigências democráticas e com finalidades sociais emancipadoras do ponto de vista político, social e cultural, é acantonada, comprimida numa delegação em que estará claramente subrepresentada.
Em combinação com tais normas regressivas de composição da Confecom, foi definido um quórum para aprovação de resoluções em “temas sensíveis”, que será de 60%. Esse dispositivo tende a dificultar enormemente a aprovação de qualquer medida mais avançada, do ponto de vista dos interesses da sociedade civil. Assim, mudanças que digam respeito ao controle público ou controle social da mídia, ao cumprimento da Constituição Federal no tocante à proibição de monopólios, ao combate à propriedade cruzada dos meios de comunicação e várias outras poderão ser objeto de veto dos empresários, bastando, para isso, que tenham apoio parcial da bancada do poder público.
É deplorável que algumas entidades participantes da Comissão Nacional Pró-Conferência, e com assento na Comissão Organizadora Nacional, tenham concordado com tais normas, na forma de um “acordo” que consistiu, na realidade, em uma capitulação diante da pressão de governo e empresários. Reafirmamos, aqui, que um expressivo número de entidades do movimento popular, que foram excluídas da Comissão Organizadora Nacional exatamente pelo formato restritivo que o governo deu a essa comissão, manifestou-se fortemente contra tais normas regimentais antidemocráticas. Também a grande maioria das comissões estaduais pró-conferência fez questão de repelir esses dispositivos restritivos, tão logo os representantes do governo os anunciaram.
O último golpe dessa seqüência negativa foram os critérios adotados para a distribuição dos delegados por Estados, isto é, os critérios de proporcionalidade que determinarão o tamanho da delegação de cada Estado. Partindo-se do princípio razoável e aceitável de que deve estabelecer-se um mínimo de delegados nos Estados menos populosos, chegou-se, porém, a uma distorção inaceitável, achatando-se a delegação de um único Estado, São Paulo, muito além do que seria uma redução aceitável.
O dispositivo adotado simplesmente reproduz a proporção das bancadas dos Estados vigente hoje na Câmara Federal.
Desse modo, São Paulo, que por sua população de quase 40 milhões de habitantes teria direito a 21,65% dos delegados, poderá eleger somente 13,65% deles — perderá, assim, um terço dos delegados a que faria jus. Nenhum outro Estado perderá mais do que meio ponto percentual.
Ora, o achatamento da bancada de deputados federais de São Paulo foi imaginado e implantado pela Ditadura Militar, exatamente com a finalidade de reduzir a participação popular mais organizada, presente à época nesse Estado. Que esse mecanismo seja hoje reproduzido no processo de construção da Conferência é, indiscutivelmente, uma nova derrota da democracia e do movimento social em geral.
A delegação empresarial paulista, evidentemente, será reduzida na mesma medida. No entanto, quem tem militância efetiva é o setor popular e não os empresários, que não precisarão descartar ninguém, apenas terão facilitado seu trabalho, pois sua representação será mais enxuta. Por outro lado, como o empresariado tem direito a uma cota nacional de 40% dos delegados, abre-se caminho para delegações empresariais maiores nos Estados menos populosos, a serem preenchidas pelos representantes dos monopólios regionais e locais.
Em resumo, o ambiente criado pelo Regimento desfavorece o debate democrático e a adoção de mudanças reais no atual sistema de mídia, exigindo, dos setores do movimento social comprometidos com alterações que não sejam apenas cosméticas, uma atitude muito mais firme e unificada na luta pela democratização da comunicação social.
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