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terça-feira, 30 de setembro de 2008

CAPITALISMO EM CRISE (II)


Dando prosseguimento ao assunto abordado ontem, reproduzimos hoje o artigo de Michael Hudson. Nesse artigo demolidor, Hudson desmonta a tese capitalista de que, quanto menor a interferência do Estado na economia, melhor para a sociedade. A incoerência desta afirmação é detalhada com dados que nos faz refletir de como somos vítimas de um sistema, que beneficia um ínfima parte da humanidade, enquanto a outra recebe a menor parte da riqueza produzida. Isto quando recebe. A leitura do artigo abaixo não só credencia-nos a estar vacinados contra nossa mídia maniqueísta, mas também nos enriquece culturalmente ao nos oferecer um assunto não muito discutido em nosso meio.

Pra informar; Michael Hudson é ex-economista de Wall Street especializado em balanço de pagamentos e bens imobiliários no Chase Manhattan Bank (agora JPMorgan Chase & Co.), Artur Anderson e, depois, no Hudson Institute. Em 1990 colaborou no estabelecimento do primeiro fundo soberano de dívida do mundo para Scudder Stevens & Clark. Hudson foi assessor econômico chefe de Dennis Kucinich na campanha primária presidencial democrata e assessorou os governos dos EUA, Canadá, México e Letônia, assim como o Instituto das Nações Unidas para Formação e Pesquisa. Destacado professor e pesquisador na Universidade de Missouri, na cidade de Kansas, é autor de numerosos livros, entre eles "Super Imperialism: The Economic Strategy of American Empire".



O resgate de todos os resgates: golpe de Estado cleptocrata nos EUA


Ninguém esperava que o capitalismo industrial terminasse deste modo. Mais do que isso, ninguém sequer imaginou que ele evoluiria nesta direção. Suspeito que essa cegueira seja freqüente entre os futurólogos: a tendência natural é pensar sobre a forma ótima de crescimento e desenvolvimento das economias. Mas sempre parece surgir um caminho imprevisto e então a sociedade se vai por uma tangente.

Que duas semanas! No domingo, 7 de setembro, o Tesouro assumiu o controle dos 5,3 bilhões de dólares expostos ao risco hipotecário das empresas Fannie Mae e Freddie Mac, cujos chefes já tinham sido destituídos por fraude contábil. No dia 15 de setembro, Lehman Brothers declarou-se em bancarrota quando possíveis compradores de Wall Street não conseguiram encontrar rastro algum de realidade em sua contabilidade financeira. Dois dias depois, o Federal Reserve concordou em aprovar, a um custo de pelo menos 85 bilhões de dólares, os lucros “assegurados” que a AIG devia a instituições financeiras que, por meio do comércio de valores nas bolsas, apostaram em hipotecas podres e contrataram seguros de cobertura com essa empresa seguradora, o American International Group (cujo chefe, Maurice Greenberg, havia sido destituído poucos anos antes por fraude contábil).

19 de setembro: o momento de inflexão

Mas é o dia 19 de setembro que figurará na história dos EUA como o momento de inflexão. A Casa Branca comprometeu ao menos 500 bilhões de dólares no esforço de aumentar os preços imobiliários a fim de sustentar o valor de mercado das hipotecas podres (hipotecas contratadas sem levar em conta a capacidade dos devedores para pagar e que, além disso, superestimam o preço corrente de mercado que se oferece como garantia da dívida).

Esses bilhões de dólares foram sacrificados para manter vivo um sonho: as ficções contábeis postas sobre o papel por empresas que ingressaram em um mundo irreal fundado em uma contabilidade falsa que praticamente todo o mundo financeiro sabia ser enganosa. Mas todos jogavam com as hipotecas podres porque ali é onde se ganhava dinheiro. Inclusive, no momento do colapso dos mercados, vários gestores executivos de fundos de investimentos que mantinham a lucidez foram duramente criticados por não embarcar neste jogo enquanto ele funcionava.

Tenho amigos em Wall Street que foram demitidos por não conseguir igualar os lucros que colegas seus estavam conseguindo. E os maiores retornos eram conseguidos através da comercialização dos maiores ativos financeiros da economia: a dívida hipotecária. Somente as hipotecas pertencentes ou garantidas por Fannie e Freddie já excediam o volume de toda a dívida nacional dos EUA, que é o déficit acumulado pelo Estado norte-americano desde os dias em que a nação ganhou a guerra revolucionária da independência!

Isso dá uma idéia das enormes dimensões do resgate, assim como das prioridades do Estado (ou, ao menos, dos republicanos no governo). Em vez de despertar a economia para a realidade, o governo empenhou todos os seus recursos na promoção de um sonho irreal, segundo o qual as dívidas podem ser pagas: se não pelos próprios devedores, pelo governo (ou os “contribuintes”, como se diz eufemisticamente). Diante das trevas, o Tesouro dos EUA e o Federal Reserve mudaram radicalmente a face do capitalismo norte-americano. Trata-se, nem mais nem menos, de um “golpe de Estado” a favor da classe que Franklin Delano Roosevelt chamava de “bancgsters”. O que aconteceu nas duas últimas semanas ameaça alterar o curso do século que começa, de maneira irreversível. Pois estamos diante da maior e mais desigual transferência de riqueza desde que se presentearam terras aos barões das ferrovias na era da Guerra Civil.

Socorrendo os doadores da campanha eleitoral

Ainda assim, há poucos indícios de que isso chegue sequer a pôr fim ao som dos tambores e trompetes em defesa do livre mercado executado pelos insiders financeiros que conseguiram destruir o controle público pela via de colocar reconhecidos anti-reguladores nas principais agências reguladoras, gerando assim o caos que, segundo diz agora o secretário do Tesouro, Henry Paulson, ameaça os depósitos bancários e os postos de trabalho de todos os norte-americanos. Mas quem está realmente ameaçado são os maiores contribuidores financeiros da campanha eleitoral dos republicanos (e para ser justo, também os maiores contribuidores das campanhas de candidatos democratas a postos-chave nos comitês de finanças do Congresso.

Uma classe cleptocrática tomou o controle da economia, a fim de substituir o capitalismo industrial. O termo cunhado um dia por Roosevelt – “bancgsters” – diz tudo em uma palavra. A economia foi assaltada e capturada por uma potência exterior. Não pelos suspeitos habituais: não foi pelo socialismo, não pelos trabalhadores, não pelo “Estado gigante”, não pelos industriais monopolistas, nem sequer pelas grandes famílias de banqueiros. Também não o foi pela franco-maçonaria ou pelos illuminati (seria maravilhoso que existisse de verdade algum grupo que atuasse nas sombras, com séculos de sabedoria acumulada; assim, ao menos, alguém teria um plano).

Os Exterminadores do Futuro

O que ocorreu é que os “bancgsters” aliaram-se com uma potência externa: não com os comunistas, não com os russos, asiáticos ou árabes: aliaram-se com algo que sequer é humano. O grupo em questão é um feixe de máquinas. Isso pode soar ao tema do filme “Exterminador do Futuro”, mas o certo é que os computadores conseguiram assumir o controle do mundo, ao menos o mundo da Casa Branca.

Eis aqui como conseguiram. A AIG subscreveu apólices de seguros de todo tipo solicitados por gente e pelo mundo dos negócios: seguros de habitação e de propriedade, seguros agropecuários e inclusive seguros para cobrir o arrendamento aeronáutico. Esse rentabilíssimo negócio não foi o problema (por isso mesmo, provavelmente, será todo coberto para poder pagar as apostas fracassadas da companhia). A queda da AIG veio dos 450 bilhões de dólares que ficaram pendurados ao assegurar garantias a fundos hedge de investimento.

Em outras palavras: se duas partes jogavam um jogo de soma zero, apostando uma contra a outra pela alta ou queda do dólar frente à libra esterlina ou ao euro, ou se asseguravam uma carteira hipotecária ou hipotecas podres para ter garantias de que seriam cobertas, pagavam uma minúscula comissão a AIG por uma apólice que prometia pagar, se o mercado hipotecário norte-americanos de 11 trilhões de dólares chegasse a “tropeçar”, ou se os perdedores que tinham colocado bilhões de dólares em apostas em derivados do mercado internacional de divisas ou em derivados financeiros de ações ou obrigações, terminassem em uma situação parecida com a que se encontram muitos jogadores de Las Vegas, isto é, incapazes de cobrir suas dívidas em dinheiro.

A AIG colheu bilhões de dólares com essas apólices. E graças ao fato de que essas companhias seguradoras são um paraíso “friedmaniano” – não regulado pelo Federal Reserve, nem por nenhuma outra agência de alcance nacional – a subscrição dessas apólices era feita por meio de processos informáticos. A empresa recebia enormes quantidades de honorários e comissões sem sequer aportar capital. Isso é o que se chama de “auto-regulação”. E é assim que, supostamente, funciona a mão invisível do mercado.

O fato é que, inevitavelmente, algumas instituições financeiras que tinham apostado bilhões de dólares – normalmente, e para ser preciso, apostando 1 bilhão de dólares no curso de uns poucos minutos – não estavam em condições de pagar. Esses jogos se desenvolviam em micro-segundos, praticamente sem interferência humana. Neste sentido, não é tão distinto dos alienígenas tomando o controle. Mas neste caso trata-se de máquinas tipo robô: daí a analogia que tracei com os Exterminadores.

Seu repentino acesso ao poder é tão imprevisível como uma invasão procedente de Marte. A analogia que mais se aproxima é a invasão dos Chicago Boy’s, do Banco Mundial e da USAID (Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional) a Rússia e a outras economias pós-soviéticas logo após a dissolução da URSS, promovendo privatizações de livre mercado a fim de criar cleptocracias nacionais. Para os estadounidenses deveria constituir um sinal de alerta que esses cleptocratas tenham se convertido nas fortunas fundadoras de seus respectivos países. Deveríamos ter presente a observação de Aristóteles, segundo a qual a democracia é o estado imediatamente anterior à oligarquia.

Comércio à velocidade da luz

As máquinas financeiras que desenvolveram o comércio que resultou na quebra da AIG estavam programadas por executivos financeiros para atuar com a velocidade da luz em operações de comércio eletrônico que costumam durar alguns segundos, e isso, milhões de vezes ao dia. Só uma máquina poderia calcular a distribuição de probabilidades matemáticas a partir da observação de ínfimas variações, para cima e para baixo, de taxas de juros, taxas de câmbio, preços de ações e obrigações, preços de hipotecas empacotadas. E esses últimos pacotes, cada vez mais, assumiram a forma de hipotecas podres, supostamente dívidas pagáveis mas, na realidade, casca vazia.

Em particular, as máquinas empregadas pelos fundos hedge deram um novo significado ao capitalismo de cassino. Há muito que se aplicava esse significado aos especuladores que jogavam no mercado de valores. Consistia em fazer apostas cruzadas, perder algo e ganhar algo, e deixar que o Estado resgatasse os não-pagadores. O giro observável na turbulência das duas últimas semanas é que os ganhadores não podem recolher os lucros de suas apostas, a menos que o governo pague as dívidas contraídas pelos perdedores, incapazes de satisfazê-las com seu próprio dinheiro.

Alguém poderia pensar que tudo isso exige algum grau de controle por parte do Estado, que provavelmente esse tipo de atividade não deveria jamais ter sido autorizada. De fato, nunca foi autorizada, tampouco regulada. Mas parecia haver uma boa razão para isso: os investidores dos fundos hedge assinaram um papel dizendo que eram suficientemente ricos para permitirem-se perder seu dinheiro neste jogo financeiro. Um jogo que não era acessível aos pobres mortais. Apesar do alto rendimento gerado por milhões de minúsculas operações comerciais, tais operações eram consideradas demasiado arriscadas para principiantes carentes de fundos confiáveis para entrar no jogo.

Um fundo hedge, ou fundo de cobertura ou de investimento livre, não ganha dinheiro produzindo bens e serviços. Não avança fundos para comprar ativos reais, nem sequer empresta dinheiro. O que faz é tomar emprestadas enormes somas para alavancar suas apostas com crédito praticamente ilimitado. Seus executivos não são engenheiros industriais, mas sim matemáticos que programam computadores para fazer apostas cruzadas ou straddles sobre como se comportarão as taxas de juros, as taxas de câmbio de moedas, os preços das ações e obrigações ou os preços das hipotecas empacotadas pelos bancos. Os empréstimos empacotados podem ter lastro ou ser puro lixo. Não importa. A única coisa que importa é ganhar dinheiro em um mercado no qual o grosso das operações comerciais dura apenas alguns segundos. O que gera lucros é a fibrilação dos preços, a volatilidade.

Jogo financeiro sem criação de riqueza

Este tipo de transações pode fazer fortunas, mas não é a “criação de riqueza” que muita gente imagina. Antes da fórmula matemática de Black-Scholes para calcular o valor das apostas destes fundos de investimento livre, esse tipo de jogo com opções de compra e venda resultava demasiado custoso, salvo para as empresas de intermediação financeira. Mas a combinação de potentes computadores com a “inovação” representada por um crédito praticamente ilimitado e o livre acesso às tabelas do jogo financeiro tornaram possível uma frenética manobra de ir e vir.

Pois bem, por que o Tesouro considerou inevitável esse esquema? Por que seria preciso salvar esses cassinos e seus apostadores, se eles tinham dinheiro bastante para perder sem que se convertessem em salas hospitalares necessitadas de assistência pública? O comércio de fundos hedge estava limitado aos muito ricos, aos bancos de investimentos e a outros investidores institucionais. Mas uma das maneiras mais fáceis de ganhar dinheiro chegou a ser emprestar fundos com juros que as pessoas tinham que devolver com o que retiravam de suas operações comerciais computadorizadas.

E, quase simultaneamente com a operação, esse dinheiro era pago em forma de comissões, remunerações e bônus anuais que traíam a memória dos EUA da Era da Ganância, nos anos que precederam a I Guerra Mundial, antes que se introduzisse o imposto sobre a renda em 1913. O notável em todo este dinheiro era que seus destinatários nem sequer tinha que pagar por ele um imposto de renda normal. O governo o chamou de “ganhos de capital”, o que significava que esse dinheiro era registrado fiscalmente somente como uma fração da taxa com a qual se taxavam os rendimentos.

Tudo isso com a pretensão, é importante dizer, de que todo esse frenético comércio estivesse criando “capital” real. Desde logo, cabe dizer que isso não ocorre, ao menos no sentido do conceito de capital dado pela economia clássica do século XIX. Esse conceito tem sido divorciado das noções de produção de bens e serviços, contratação de trabalho assalariado ou inovação financeira. Nesta novíssima acepção, “capital” passa a ser o direito de organizar uma loteria e recolher os lucros resultantes das esperanças dos perdedores. Mas, então, os cassinos de Las Vegas converteram-se em uma pujante “indústria do crescimento”, manchando a linguagem do capital, do crescimento e da própria riqueza.

Para encerrar as mesas de jogo e saldar dívidas, os perdedores têm que ser resgatados: Fannie Mae, Freddie Mac, AIG. Quem sabe quem será o seguinte? É a única maneira de resolver o seguinte problema que se apresenta às empresas que já pagaram seus executivos e acionistas, em vez de ter colocado essas somas em uma reserva: como recolher seus lucros diante de devedores insolventes e seguradoras quebradas? Estes, os perdedores, também pagaram seus executivos financeiros e seus colaboradores internos (junto com as oportunas contribuições patrióticas aos candidatos políticos em postos-chave das comissões do Congresso, encarregadas de decidir a estruturação financeira da nação).

O planejamento do caos

Sim, porque para que isso funcione, é preciso que seja orquestrado previamente. É necessário comprar políticos e oferecer-lhes um argumento plausível (ou, ao menos, um conjunto bem armado de eufemismos à prova de questionamento da opinião pública) para poder explicar aos eleitores por que era do interesse público resgatar os apostadores do cassino. É preciso ter uma boa retórica para explicar por que o governo tinha que permitir que eles entrassem em um cassino, deixar que ficassem com os lucros de suas apostas e, finalmente, usar fundos públicos para resgatar as perdas dos perdedores.

O que ocorreu nos dias 18 e 19 de setembro levou anos de preparação, escondidos por uma falsificação ideológica patrocinada por think thanks de relações públicas e emitida agora, em condições de emergência, a um Congresso e a eleitores reféns do pânico, justo antes da eleição presidencial. Poder-se-ia dizer que esta é a surpresa eleitoral que setembro reservava. Em condições de crise bem encenadas, o presidente Bush e o secretário do Tesouro Paulson convocam agora o país a uma guerra contra os proprietários de habitações, em situação de quebra técnica. Dizem que essa é a única esperança para “salvar ao sistema”. (Que sistema? Não o capitalismo industrial, nem sequer o sistema bancário tal como o conhecemos).

A maior transformação do sistema financeiro norte-americano desde a Grande Depressão aconteceu, comprimida, em duas semanas: começando com a duplicação da dívida nacional norte-americana quando, no dia 7 de setembro, ocorreu a nacionalização de Fannie Mae e Fredie Mac. (O corretor ortográfico de meu computador não concorda com a utilização do eufemismo “conservadorização” aplicado pelo senhor Paulson para referir-se ao resgate dos “fraudgsters” de Fannie Mae e Freddie Mac).

A teoria econômica poderia explicar que os lucros e o juro eram a remuneração do risco calculado. Mas em nossos dias o nome do jogo é ganhos de capital e apostas computadorizadas sobre o comportamento das taxas de juros, das moedas estrangeiras, dos preços das ações. E quando as apostas dão errado, os resgates são a remuneração econômica calculada de quem contribuiu financeiramente para a campanha eleitoral. Mas agora, supostamente, não é o momento de falar sobre tais coisas. “Temos que atuar agora para proteger a saúde econômica de nossa nação, ameaçada por graves riscos”, disse o presidente Bush no dia 19 de setembro.

O que ele queria dizer é que a Casa Branca deve responder com uma promessa de garantia ao maior grupo de doadores da campanha eleitoral do Partido Republicano – ou seja, Wall Street – resgatando suas más apostas. “Haverá muitas oportunidades para discutir as origens deste problema. A tarefa do momento é resolvê-lo”. Em outras palavras, não convertam isso em um assunto eleitoral. “Na história da nossa nação, ocorreram momentos que exigiram que andássemos unidos, deixando as divisões partidárias de lado a fim de enfrentar desafios de grande envergadura”. Justo antes das eleições! Idêntico disparate pode ser ouvido dos lábios do secretário Paulson: “Nossa saúde econômica exige que sejamos capazes de trabalhar juntos e empreender uma ação imediata bipartidária”. Os locutores disseram que nas manobras do dia estava em jogo uma cifra de meio bilhão de dólares.

Boa parte das culpas deveria recair sobre a Administração Clinton, responsável direta, em 1999, pela supressão da Lei Glass-Steagal, que permitiu aos bancos funcionarem como cassinos. Ou melhor dito, aos cassinos absorverem bancos. Isso é o que pôs em risco a economia dos norte-americanos.

Mas isso significa realmente que a única solução passa por “reinflar” o mercado imobiliário? O plano de Paulson-Bernanke é capacitar os bancos para que possam vender as casas de 5 milhões de devedores hipotecários que este ano terão que enfrentar ou a quebra ou o embargo. Os proprietários de habitações submetidos a juros hipotecários variáveis disparados perderão suas casas, mas o Federal Reserve garantirá às empresas de empréstimo hipotecário crédito suficiente para permitir que novos compradores se endividem o suficiente para conseguir resgatar as hipotecas lixo das mãos dos apostadores dos cassinos que são seus atuais possuidores. Com o que se ganha tempo para que uma nova bolha financeira acuda em resgate das instituições de empréstimo e dos empacotadores de hipotecas podres.

Nova guerra, novas ficções

Os EUA entraram em outra guerra, uma guerra para salvar os comerciantes de derivados computadorizados. Assim como a guerra do Iraque, esta nova guerra baseia-se muito em ficções e, como na guerra do Iraque, o país entra nela sob a pressão de condições de aparente emergência. Também como na guerra do Iraque, a solução proposta guarda pouca relação com a causa que provocou o problema. Esgrimindo razões de segurança financeira, o governo considerará como boas as Obrigações de Dívida Colateralizada (ODCs) que Warren Buffett chamou de “armas de destruição financeira massiva”.

Não é por acaso que esse esbanjamento de dinheiro público está sendo manejado pelo mesmo grupo que tão piamente alertou o país sobre a existência de armas de destruição em massa no Iraque. O presidente Bush e o secretário do tesouro declararam tão ricamente que este não é o momento para desacordos partidários a respeito da deriva da política pública em favor dos credores e não dos devedores; que este não é o momento de converter em assunto eleitoral o maior resgate já registrado nos anais da história eleitoral; que não é o momento adequado para debater se é bom “reinflar” o preço dos imóveis a níveis que seguirão obrigando os novos compradores de casa a endividarem-se até o ponto de ter que gastar em habitação cerca de 40% de seus rendimentos.

Recordem a época em que o presidente Bush e Alan Greenspan informaram aos norte-americanos que não havia dinheiro para financiar a Seguridade Social, porque em algum momento futuro (dentro de 10? 20? 40 anos?) o sistema teria um déficit de 1 bilhão de dólares, distribuído ao longo de muitos anos, soma irrisória diante do resgate que está sendo promovido agora. A moral da história era que se não podemos imaginar uma forma de pagar esse sistema no longo prazo é melhor deixar cair agora mesmo o programa assistencial. O senhor Bush e o senhor Greenspan garantiram na época que tinham uma oportuna solução. O Tesouro poderia canalizar o dinheiro da Seguridade Social e dos seguros médicos para os bancos Bear Stearns, Lehman Brothers ou seus pares, para que eles o investissem a um “mágico juro composto”.

O que teria ocorrido se a Seguridade Social tivesse feito tal coisa? Talvez tivéssemos assistido nestas duas semanas à entrega aos apostadores de Wall Street de todo o dinheiro acumulado desde que a Comissão Greenspan resolveu, em 1983, deslocar a carga fiscal sobre as retenções salariais reguladas pela FICA (Lei Federal de Contribuição à Seguridade Social). Não são os aposentados que se pretende resgatar, mas sim os investidores de Wall Street que assinaram papéis dizendo que estavam em condições de enfrentar a perda do dinheiro jogado. A consigna eleitoral dos republicanos este ano deveria ser: “Seguro de jogo, não seguro de saúde”.

Em seu célebre livro “Caminho da Servidão”, Friedrich von Hayek e seus meninos de Chicago insistiam que a servidão viria da planificação e da regulação estatais. Essa visão caminhava na direção contrária a dos reformadores clássicos da Era Progressista, que concebiam a ação do Estado como a do cérebro da sociedade, como a linha diretriz para modelar os mercados e liberá-los dos especuladores rentistas, ou seja, da renda que não fosse contrapartida do desempenho de um papel necessário na produção.

A teoria da democracia fundava-se no pressuposto de que os eleitores atuariam movidos pelo próprio interesse. Os reformadores do mercado partiram de uma feliz suposição paralela, segundo a qual os consumidores, os poupadores e os investidores promoveriam o crescimento econômico atuando com pleno conhecimento e cabal compreensão das dinâmicas em ação. Mas a mão invisível terminou resultando em fraude contábil, empréstimo hipotecário podre, informação privilegiada e fracasso em controlar os crescentes gastos da dívida conforme a capacidade dos devedores para pagar. É todo este caos, aparentemente legitimado por alguns modelos de comércio eletrônico, que acaba de ser socorrido pelo Tesouro dos EUA.



Tradução do inglês para o espanhol: Ricardo Timón

Tradução do espanhol para o português: Marco Aurélio Weissheimer

Texto traduzido a partir da versão em espanhol publicada no site Sin Permiso.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

CAPITALISMO EM CRISE


Acredito ser importante continuarmos abordando a crise financeira que passam algumas instituições financeiras dos Estados Unidos. Deixando claro que para mim não é simplesmente uma crise localizada do sistema financeiro, mas sim do capitalismo. Crise cíclica como definem os marxistas.

No site da Agência de Notícias Carta Maior, apesar de já ter sido postado algum tempo, trago o texto de Gustavo Barreto, que é editor da Revista Consciência.Net e editor de Internacional do Fazendo Media. Ele traça em detalhes esse fenômeno que acomete a nação norte americana e as incoerências da má cobertura jornalística no mundo sobre o assunto. Onde as mídias corporativas tentam, a todo custo, não macular a imagem do sistema capitalista.


Por Gustavao Barreto


A farra financeira consensurada pelas elites


Como resultado de um intenso bombardeio midiático, me peguei diversas vezes classificando os recentes acontecimentos no sistema financeiro global como uma “crise”. Trata-se, no entanto – de forma muito evidente, inclusive –, de um conhecido processo estudado e identificado há décadas por gente como o economista brasileiro Celso Furtado.

O noticiário econômico acerca deste processo de falências e estatizações que ora ocorre nos EUA segue um padrão jornalístico já há algum tempo observado. As estatísticas são lançadas em função de uma dominação das elites sobre o aparelho de Estado, realidade que é presente no Brasil, de fato, porém de forma muito mais evidente nos Estados Unidos, como veremos a seguir.

Conforme destacou o jornalista Bernardo Kucinski (1) analisando o cenário brasileiro, “divulgam quanto cresceu o PIB (Produto Interno Bruto), porque esse dado é importante para o empresariado. Mas a participação do salário na renda nacional parou de ser divulgada há anos, desde que caiu abaixo de níveis civilizados (...) Divulgam-se detalhadamente os itens de pauta das exportações, mas não os detalhes de gastos com royalties e patentes. Seu conhecimento geraria uma atitude crítica em relação à renumeração dos capitais financeiros”. E alerta: “Quase tudo pode ser provado em economia, manipulando-se estatísticas”.

O sociólogo Luiz Gonzaga Belluzzo tratou de lembrar que o neoliberalismo, ao contrário do que diz a propaganda oficial, nunca desejou o “Estado mínimo”, pois precisa de Estados nacionais fortes para utilizar o poder político e fiscal destes, com o objetivo de fortalecer os respectivos sistemas empresariais (incluindo os mercados financeiros e de capitais). O propósito é o de ganhar espaço na arena global. “Nessa toada, as reformas [ditas neoliberais, dos anos 70] atropelaram as instituições destinadas a garantir a segurança econômica e social da maioria assalariada ou dependente”,avalia Belluzzo. E conclui: “O Estado não saiu de cena, apenas mudou de agenda” (2).

Até mesmo no Brasil, durante a onda de privatizações e entreguismo dos oito anos do Governo FHC, foi observado durante o seminário da Rede de Economia Global (REGGEN) de 2003 que, ao contrário do que muitos propunham, os dados mostravam que o investimento público cresceu, porém foi – conforme denuncia Belluzzo – direcionado para a “iniciativa privada” (3).

O próprio termo “iniciativa privada” é contraditório, pois, como veremos, muitas vezes a iniciativa é do Estado, com dinheiro público, e o setor privado se apropria destes recursos por meio de ações fraudulentas e lesivas aos cofres públicos. Vide, entre outros inúmeros casos, a privatização da ex-estatal brasileira Vale do Rio Doce, que opera no setor de extração de recursos naturais, centralmente estratégico para o país.

Contradições negligenciadas

O noticiário da mídia corporativa procura fixar os atuais acontecimentos a poucos tópicos, sem discutir a seriedade e complexidade do problema, como, por exemplo, a falta de controle do sistema financeiro. O analista político Noam Chomsky aponta há décadas as contradições de um sistema fadado ao fracasso: “Uma instituição privada tem um objetivo: maximizar os lucros e minimizar as condições humanas. Porque isso maximiza os lucros. Isso é o que eles perseguem. Eles não poderiam perseguir nada além disso. Se o sistema é minimamente competitivo, eles precisam fazer isso. É a natureza do sistema (...) Haverá bastante dinheiro do contribuinte entrando nos fundos para não deixar que seus lucros caiam” (4).

É preciso um esforço para não considerar como custos apenas os gastos feitos diretamente pelo governo num contexto de “crise” – tal como a proposta de gastar US$ 700 bilhões na compra de títulos “podres”. Há muitos outros custos que são vendidos como grandes benefícios do capitalismo moderno.

Um dos exemplos utilizados por Chomsky é comum a todos os brasileiros: “Digamos que você telefone para conseguir uma passagem aérea [ou outro serviço que dependa desta forma de atendimento]. As empresas aéreas são automatizadas, o que lhes economiza um monte de dinheiro. Os economistas podem constatar que isto é muito eficiente. Por outro lado, quando você dá o telefonema. Isso está lhe custando dinheiro, você fica sentado lá, por meia hora, enquanto você fica ouvindo aquelas mensagens, ‘Obrigado por nos ligar’, ‘Agradecemos sua ligação’, ‘Nós o amamos’, ‘Espere um momento’, ‘O próximo operador lhe atenderá em seguida’... e aí entra a música. Todo esse tempo tem um custo para você. Mas não é um custo que alguém meça”.

Até o momento, nem um único economista distinto ou jornalista venerável, com espaço e destaque na televisão, questionou qual é o custo de não gastar este dinheiro – R$ 700 bilhões! – no sistema de saúde ou educacional. Ressalta-se que os “custos” são gerados por decisões tomadas e por decisões não tomadas – a inércia política. O caos no sistema de saúde americano – conforme denunciou o documentarista Michael Moore – ou o aumento da fome no mundo entre 2006 e 2007 – denunciado há poucos dias pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) – não geram manchetes de “crise”.

Chomsky conclui, ainda dentro do exemplo acima referido: “O custo é multiplicado pelo número de usuários. É uma grande soma. Pegue o custo do indivíduo, multiplique pelo número de pessoas usando o serviço, compare isso com a eficiência da automação e você talvez venha a descobrir que a automação é uma total perda para a economia. Mas é um ganho da maneira como é calculada”.

Caça aos “culpados”

O discurso oficial da mídia (TV Globo, GloboNews, Record, Bandeirantes e grandes jornais do Rio e São Paulo, avaliados nesta segunda 22) tenta sutilmente culpar um punhado de CEOs [chief executive officer], os diretores de grandes transnacionais financeiras, pela debandada do sistema financeiro americano.

A âncora da GloboNews chegou a perguntar a um ex-ministro da Fazenda se eles [os CEOs] não deveriam ser penalizados. O “comentarista” disse que sim, que eles deveriam ser punidos. “Os executivos deveriam não receber seus benefícios e até mesmo devolver alguns que já receberam”, disse. O falso debate – com esta gravíssima punição sugerida, destaca-se! – está formado.

É preciso ser muito astuto para imaginar que, por conta de erros pessoais, individuais, o Banco Central americano (FED) tenha decidido injetar outros 95 bilhões de dólares nos bancos em chamadas “operações de refinanciamento de rotina”. Prestem atenção: esta medida foi anunciada nesta segunda (22), para além da proposta da Casa Branca enviada ao Congresso e dos 315 bilhões da semana passada.Não coube a esta emissora questionar se não estaria havendo uma falência deste sistema, proclamado por especialistas de plantão como liberal, o mesmo sistema que agora se vê obrigado a recorrer ao dinheiro do contribuinte para supostamente não afundar.

Como estão envergonhados, digamos objetivamente aqui o que está se salvando: a barra dos “investidores”, os acionistas, gente que tem dinheiro o suficiente para injetar milhares de dólares nesses bancos. A população, conforme denunciaram parlamentares nos EUA, não vão receber nenhum apoio, segundo a proposta do governo. Apesar manter suas crescentes dívidas no “crédito” imobiliário que, no final das contas, era mais uma bolha.

Alguns congressistas, a despeito da pressão política do sistema financeiro, pediram no “ato” administrativo proposto pela Casa Branca o mais básico de todos os principais governamentais: regras! É curioso que nenhum telejornal tenha citado alguns dos trechos do pequenino documento (de apenas 3 páginas) que a secretaria do Tesouro dos EUA criou para abocanhar 700 bilhões de dólares.

A Casa Branca determina, por exemplo, que “a secretaria está autorizada a tomar tais ações à medida que a secretaria considerar necessárias para realizar os poderes deste ato, inclusive, sem limitação (...)”. Em outro trecho define: “Quaisquer verbas usadas para ações autorizadas por este ato, incluindo o pagamento de despesas administrativas, devem ser consideradas apropriadas no momento de tais gastos” (5).

A imprensa manteve o velho estilo parcial de sempre – o secretário de Tesouro dos EUA era o único que aparecia durante a primeira semana de crise. “Os investidores do mundo inteiro estão com a atenção voltada para o Congresso americano”, repetia a GloboNews na própria segunda-feira (22). “A Globalização não deve ser responsabilizada”, ecoa outro correspondente da Globo, reproduzindo – é claro – voz oficial. Para falarem da ‘crise’, convocaram apenas ex-diretores do Banco Central e banqueiros.“Cadê a tal independência?”

A jornalista e apresentadora Lilian White Fibe, no último programa ‘Roda Viva’ (TV Cultura) da segunda (22), fez uma pergunta franca e direta ao entrevistado, o economista Ilan Goldfajn, que já foi diretor de política econômica do Banco Central (BC) brasileiro e atualmente é pesquisador da PUC Rio. Ela questionou firmemente: “Então, professor, cadê a tal independência do Banco Central americano, o tal Banco Central mais independente do mundo?”

A resposta não poderia ter sido mais risível, porém esclarecedora. Ilan disse que o FED – o BC americano – continuava independente, na opinião dele, e que o fato de o anúncio ter sido eminentemente político não mudava esta posição. O governo americano, argumentou Ilan, foi até o FED e este, por sua vez, colocou as opções mais “razoáveis” na mesa. O governo americano, então, acatou...

Em suma: quem manda nas finanças do mundo – o que inclui deter a chave dos cofres do governo mais rico do mundo – são os financistas de Wall Street. Ou seja, os responsáveis pelo caos que a presidente argentina classificou como “economia de cassino dos EUA”.

Já Giuliano Guandalini, editor de economia da revista Veja, procurou – a serviço do tipo de imprensa mais vendida que existe no Brasil – defender os “mercados”, que estão inevitavelmente sofrendo ataques até mesmo de grupos conservadores. Giuliano argumentou – em formato de “pergunta” para Ilan – que o sistema não era falho, já que havia proporcionado ganhos consideráveis durante muitos anos.

Aqui, novamente, faz-se uma observação risível e reveladora. Se os investidores se beneficiaram enormemente deste sistema que, como muitos agora lembram, privatiza os lucros e socializa os prejuízos, por que o governo não utiliza parte destes lucros e paga a “conta” da farra? Por que, afinal, o dinheiro tem que vir do bolso do contribuinte, e não destas empresas de “investimento de risco”?

A resposta é simples. A saída, para o esquema neoliberal, não admite outra coisa senão socializar os prejuízos. Fazer os capitalistas pagarem a conta – até Arnaldo Jabor anda falando mal deles! – é muito perigoso. Seria como, digamos, “confiscar bens”! Confiscar bens de capitalistas não é permitido.

Farra com dinheiro (do) públicoOs meios de comunicação evitam passear por este debate e, inclusive, se negam em falar em estatização. Até porque estatizar é coisa de gente como Hugo Chávez, Rafael Correa e Evo Morales. Trata-se, no linguajar da mídia corporativa, de uma “intervenção” – mesmo que o governo tenha confiscado, por meio de cláusula contratual, 80% das ações da AIG, por exemplo.

Emir Sader, num artigo de 2004, explica como funciona um dos instrumentos correntes de privatização dos lucros e socialização dos riscos: “Entre em um banco e deposite 100 reais em uma caderneta de poupança. O funcionário lhe dirá para retornar daqui a um mês, para receber seus polpudos dividendos, algo como R$ 100,60. Em seguida, ao mesmo funcionário, no mesmo balcão, você pede 100 reais emprestados. Receberá a resposta de que – além de todos os trâmites de cadastro, garantia, ficha pregressa etc. –, deverá pagar, daqui a um mês, algo como 109 reais. Essa ‘pequena’ diferença - algo como 15 vezes mais - é o que os bancos e os economistas, ministros, presidentes de bancos centrais, e todos os que funcionam como seus ventríloquos, chamam de spread. Em inglês, para melhor disfarçar, como convêm ao economês”.

Mas o que é o spread? “Os dicionários falam sempre de algo como ''extensão'', ''propagação'', ''expansão'', no máximo ''pasta para passar no pão''. Nada que possa esclarecer essa estranha mágica de pagar 0,6% e cobrar 9% ao mês e que faz a felicidade dos bancos e propicia os recordes de lucratividade do sistema financeiro – batidos novamente esta semana – à custa de quem não vive da especulação. Os dicionários de economia esclarecem que spread é a diferença entre o quanto os bancos pagam e o quanto recebem; em outras palavras, o lucro dos bancos. Nenhum investimento permite ganhar tanto, em prazo tão curto, com tanta liquidez e pouco ou nada de imposto - recordemos que investimentos estrangeiros na Bovespa não pagam imposto, ao contrário da cesta básica, de livros etc” (6) [leia mais sobre este mecanismo brutal de exploração do trabalhador na referência do artigo].

O Jornal Nacional da quarta-feira (17), ainda assustado com a derrocada de um projeto que defende diariamente, abriu falando sobre “a maior intervenção dos EUA” no setor privado. Já naquele dia, o governo havia comprometido mais de 300 bilhões de dólares nas empresas falidas. E, como sempre, deram voz ao Ser Supremo, Vossa Divindade: “Mesmo assim, o mercado não se acalmou”.

O apresentador William Bonner falou em “crise de confiança que atinge o mercado financeiro”. Não pretende explicar que a crise não é de confiança, porque seria muito perigoso que o telespectador que o vê e o ouve – aquele que é metade Homer Simpson metade Lineu, lembra? (7) – fique sabendo que não são apenas os títulos que o governo comprará que são podres, e sim o próprio sistema de jogatina que diversos ativistas denunciam há décadas. Insistem no discurso vazio: “E mais um sinal da crise de confiança que atinge o mercado financeiro: um outro banco americano, o Washington Mutual, anunciou que está à venda. Procura um comprador para salvá-lo da crise” (8).

Lula faz discurso duro sobre crise e é ignorado

O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva fez, na abertura do debate geral da 63ª Assembléia Geral das Nações Unidas, um dos discursos mais importantes de seu mandato, agregando elementos como conhecimento histórico, síntese política, momento oportuno e amplitude de temas.

Destaca-se que o Brasil sempre abre os debates, por tradição, o que se configura em um importante aspecto de prestígio.

O Jornal da Globo (TV Globo) desta terça-feira (23), dia do discurso, procurou esconder a fala de Lula, ao citar apenas um trecho insignificante e, ainda por cima, dizer que o “discurso mais esperado” era o do presidente Bush. Como sempre, o mandatário estadunidense teve uma participação pífia, ordinária e mentirosa, que nem sequer vale nota de rodapé.

Lula, no entanto, sem nenhum sentimento de nacionalismo ou partidarismo, falou o que poucos têm condição ou coragem de pôr em pauta. Logo no início, o brasileiro registra: “A euforia dos especuladores transformou-se em angústia dos povos após a sucessão de naufrágios financeiros que ameaçam a economia mundial. As indispensáveis intervenções do Estado, contrariando os fundamentalistas do mercado, mostram que é chegada a hora da política”.

Evidentemente que o povo brasileiro não terá acesso, nos jornais e telejornais populares, a uma explicação detalhada sobre o que Lula quis dizer com “fundamentalistas de mercado”. “A ausência de regras”, completa o presidente, favorece os “aventureiros e oportunistas” (sic), em prejuízo das verdadeiras empresas e dos trabalhadores. “É inadmissível, dizia o grande economista brasileiro Celso Furtado, que os lucros dos especuladores sejam sempre privatizados e suas perdas, invariavelmente socializadas. O ônus da cobiça desenfreada de alguns não pode recair impunemente sobre os ombros de todos. A economia é séria demais para ficar nas mãos dos especuladores”.

Novamente, seria perigoso demais que os Willians da TV Globo (Bonner ou Waack) retomassem o pensamento de Celso Furtado. Seria perigoso, pois poderia desencadear questionamentos sobre o funcionamento da própria lógica de privatização dos lucros e socialização dos riscos que ora ocorre no Brasil, tal como a lógica que permite o spread bancário.

Eles poderiam explicar, por exemplo, que a globalização financeira alimenta-se da desordem monetária causada pelo fim das paridades fixas entre moedas fortes. As regras, neste caso, são parecidas com as regras de um grande cassino em Las Vegas. O pano de fundo, comenta o jornalista Bernardo Kucinski (9), é a lenta agonia da cultura monetária baseada no dólar. Enquanto o Japão acumula, por exemplo, grandes saldos em seu comércio exterior, os Estados Unidos tentam manter a hegemonia do dólar, numa espécie de “fuga para o futuro”, na expressão de Furtado. Nesta tentativa, arrastaram para uma crise estrutural nos anos 90 países que têm dívidas em dólar – incluindo o Brasil.

Kucinski demonstra como funciona este “novo sistema de dominação” baseado no endividamento, igualmente registrado no balanço de pagamentos e consolidado em grandes tábuas mundiais da dívida externa, compiladas pelo Banco Mundial: “Essas tábuas mostram que, entre 1980 e 1991, os países da periferia pagaram US$ 607 bilhões de juros, mais do que o valor original da dívida, que, no entanto, nesse mesmo período saltou de US$ 573 bilhões para US$ 1281 bilhões”. Em outras palavras: quantas mais estes países pagam, mais devem.

No Brasil, o pagamento dos juros é a rubrica que consome a maior quantidade de recursos públicos. Só nos primeiros meses de 2008, o governo gastou com juros R$ 106,8 bilhões, ou 6,7% do PIB. É possível imaginar, diante de tão obscuros números, que nem todo o dinheiro da “ajuda” financeira que os EUA deram e pretendem dar às instituições financeiras são de contribuintes americanos. Há também brasileiros, argentinos, bolivianos, venezuelanos, chilenos...(10)

“Fuga para o futuro”

Esta mesma lógica especulativa de fuga para o futuro, com a política de redução da taxa de juros sem controle sobre o crédito, é um fator essencial para o estouro da bolha especulativa nos mercados de hipotecas. Agora, os neoliberais de plantão, com amplo suporte dos amigos jornalistas da mídia corporativa, tratam de tentar transferir os riscos para os indivíduos dispersos.

Em vez de abordar estes temas, a TV Globo preferiu exibir uma charge em que sugere Lula e seus assessores vão à ONU, na verdade, para vender biocombustíveis ele próprio, como se fosse um mercador querendo vender a matéria prima de seu país. Este é o “humor” praticado na Rede Globo (11).

Lula defendeu o papel da ONU na criação de “mecanismos de prevenção e controle, e total transparência das atividades financeiras” contra o que classificou como “anarquia especulativa”.

Muros da globalização

Mantendo a coesão entre os temas, em um dos mais importantes trechos, Lula criticou duramente o caráter totalitário da globalização financeira: “O Muro de Berlim caiu. Sua queda foi entendida como a possibilidade de construir um mundo de paz, livre dos estigmas da Guerra Fria. Mas é triste constatar que outros muros foram se construindo, e com enorme velocidade. Muitos dos que pregam a livre circulação de mercadorias e capitais são os mesmos que impedem a livre circulação de homens e mulheres, com argumentos nacionalistas, e até fascistas, que nos fazem evocar, temerosos, tempos que pensávamos superados”.

E partiu objetivamente para a defesa de governos como o da Venezuela e da Bolívia: “Um suposto ‘nacionalismo populista’, que alguns pretendem identificar e criticar no Sul do mundo, é praticado sem constrangimento em países ricos”, complementando com algumas considerações sobre a importância da aliança dos países do sul, em particular da América Latina.

“Em meu continente, a Unasul, criada em maio deste ano, é o primeiro tratado – em 200 anos de vida independente – que congrega todos os países sul-americanos. Com essa nova união política vamos articular os países da região em termos de infra-estrutura, energia, políticas sociais, complementaridade produtiva, finanças e defesa” (12).

Na mídia corporativa brasileira, ao que tudo indica, a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) nem sequer existe – apesar dos seus inúmeros êxitos políticos. O motivo dos neoliberais da mídia brasileira (hoje envergonhados) para esconder esta iniciativa é justamente o seu sucesso. E um outro detalhe: a sede da União será localizada em Quito, capital do Equador, o Banco do Sul será na capital da Venezuela, Caracas, e o seu parlamento será localizado em Cochabamba, na Bolívia.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Textos marxistas na internet


Na internet se encontra de tudo. Da mais simples orientação de como dar um "nó cego" à experiências de alta complexidade. O que difere a maneira produtiva de como utilizamos essa ferramenta de busca e oferta de conhecimento são nossas escolhas. Se vc quiser falar um idioma diferente do seu, basta dedicar-se num pequeno período do dia, com as aulas audiovisuais e que vc pode ter em frente ao seu computador. Se quer passar um tempo, nada produtivo, basta fazer parte da comunidade internauta que não saem das salas de bate papo. Mas se vc quiser evoluir como ser humano, culturalmente enriquecido por uma visão científica do desenvolvimento da sociedade humana, basta ler textos marxistas. Na internet é possível encontrar diversos sites com acervos marxistas.

Marx e Engels iniciaram seus estudos no final do século XIX, na qual suas teses foram recebendo contribuição ao longo do tempo. Wladimir Lenin, Leon Trotsky e Rosa Luxemburgo são apenas uma pequena parte de diversos revolucionários que contribuiram para o entendimento daquilo que Marx e Engels descobriram.


O site Arquivo Marxista na Internet, na qual diponibilizo o link aqui no Pimentus, é uma excelente opção de acervo de diversos textos, de diversos autores. Todos em português, mas é possível, também, escolher outros idiomas. Biblioteca, Temas, Dicionário e Novidades são opções encontradas na página. Mais do que fazer uma simples leitura de um texto é ter consciência de seu papel depois de entedê-lo.


Pra quem ainda não tem familiaridade com esse tipo de assunto o texto que peguei na internet e que está abaixo, simplifica um pouco daquilo que o Marxismo quer dizer.

Na análise marxista da História, toda sociedade é dividida em classes: governantes, guerreiros, sacerdotes e trabalhadores, que produzem para sustentar os outros e recebem a pior parte daquilo que se produz. Marx simplificou essa estrutura social em duas classes: burguesia, os ricos, capitalistas, exploradores e os trabalhadores, explorados. Segundo Marx, isso seria injusto e a maneira de mudar a situação seria os trabalnadores tomarem o Poder e usar o Estado como instrumento de mudança. Na maioria dos países isso só seria possível através da luta armada. Daí surgiu a Revolução Comunista. Em alguns países, entretanto, isso poderia ser conseguido de forma pacífica, através da luta política. Daí surgiu a Social Democracia. É importante notar que Socialismo e Democracia não se excluem. O que se excluem são Socialismo e Liberalismo.

"Mas o que Importa é Transformar o Mundo!"


Boa leitura!

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Abandonar ‘armadilha eleitoral institucional’ é o desafio da esquerda


Iremos hoje fazer uma reflexão a respeito da luta política dos partidos de esquerda no Brasil e a institucionalização dela. Desde que o Partido dos Trabalhadores assumiu governos, uma grande deficiência na disputa política pela hegemonia foi notada. Isso se deve porque vários quadros, com inserção social, acabam sendo cooptados para contribuir nas administrações em que foram ganhas, afastando os dirigentes e lideranças políticas de sua base e de suas organizações. Ricardo Antunes, professor da UNICAMP, faz algumas considerações interessantes a respeito desta questão, inclusive essa relação com PSOL e PSTU. Acompanhem abaixo sua entrevista ao site Correio da Cidadania;


Professor da Unicamp, Ricardo Antunes, afirma que os partidos de verdadeira oposição às políticas vigentes, como o PSOL e o PSTU, devem deixar a corrida eleitoral em segundo plano, priorizando as lutas populares e sociais, o que lhes permitiria angariar uma base popular mais coesa e preparada para realmente fazer frente aos partidos dominantes


Gabriel Brito e Valéria Nader,
Correio da Cidadania


A poucos dias de mais uma eleição para prefeituras e câmaras de todo o país, o Correio entrevistou o sociólogo Ricardo Antunes para analisar o atual processo eleitoral e como hoje a população se comporta diante dele.

Para o professor da Unicamp, as posturas e propostas dos candidatos já não atraem tanta atenção da população, pois os mesmos já colocaram a credibilidade do exercício político abaixo, desestimulando uma maior participação popular. De acordo com Antunes, partidos de verdadeira oposição às políticas vigentes, como o PSOL e o PSTU, devem deixar a corrida eleitoral em segundo plano, priorizando as lutas populares e sociais, o que lhes permitiria angariar uma base popular mais coesa e preparada para realmente fazer frente aos partidos dominantes.

Antunes aponta ainda como imprescindível que não se aceite mais a dívida pública nos moldes em que ela é concebida. Sem essa premissa e sem conselhos populares para discutir a aplicação do orçamento da cidade, não acredita que se faça uma gestão que atenda aos anseios das camadas desfavorecidas e majoritárias da Paulicéia.

Correio da Cidadania: Como você enxerga hoje a cidade e o estado de São Paulo? Quais são os problemas e questões mais prementes?

Ricardo Antunes: A cidade e o estado de São Paulo são uma fotografia aprofundada das contradições brasileiras, um pouco da história do desenvolvimento urbano do país e capitalista recentes, com todas as suas mazelas e seqüelas presentes. Isto é a cidade de São Paulo, marcada por bolsões cada vez maiores de populações precarizadas, informalizadas e desempregadas.
O descuido com a atividade pública em São Paulo é completo, indo do abandono total da saúde, previdência e educação pública até o que diz respeito à vida, como lazer, esportes, expressões artísticas, coisas para as quais essas camadas são absolutamente desconsideradas.

São Paulo é uma fotografia da tragédia do capitalismo brasileiro, de nossa inserção subalterna e destrutiva na economia globalizada, que penaliza fundamentalmente a classe trabalhadora e seus estratos mais pauperizados da população.

A cidade, portanto, retrata o capitalismo hoje dominante. Na ponta de cima, o mundo financeirizado, brutalmente enriquecido e que hoje passa por uma crise estrutural profunda; na sua base, ficam as classes trabalhadoras profundamente pauperizadas e vulneráveis, sendo que, digamos assim, percebem-se várias clivagens entre esses trabalhadores. Uma parte possui alguma condição no emprego, outros estão terceirizados e precarizados e há ainda os que ocupam os bolsões de desemprego. Este é o retrato de São Paulo.

Qual a sua visão sobre esse período pré-eleitoral em nosso estado? A população não lhe parece dessa vez muito indiferente?

Digamos muito indiferente! A população tem se dado conta nos últimos processos eleitorais, há vários anos, que as eleições vêm sendo uma sucessão de disputas cada vez mais restritas aos políticos tradicionais. E os partidos em sua grande maioria se tornaram partidos de políticos profissionais. É como se as eleições hoje fossem uma sucessão de um candidato ao anterior, que sai desgastado e volta quatro anos depois; quem está no partido A vai para o partido B, volta amanhã para o A e depois pula para o C, de modo que a população tem a sensação de que o processo eleitoral se resume a uma disputa entre os mesmos. E essa disputa acaba fazendo com que ela não localize diferenças fundamentais nas propostas dos partidos, pois estão em quase sua inteira totalidade, com honrosas e pequeninas exceções, subsumidas à política do "é dando que se recebe", política dos partidos tradicionais.

É como se tivéssemos a seguinte situação: a política eleitoral é dominada pelos partidos tradicionais, configurando o exercício da política tradicional. Há, portanto, como resposta a isso, um certo movimento anti-político, embora este seja dúplice. Por um lado, é anti-político por conta de amplas camadas da população que vêem a política como o exercício da troca de favores. Em outro pólo, é também anti-político por causa de grupos sociais mais organizados, que mesmo minoritários recusam a luta política, por não quererem confundi-la com a luta eleitoral.

Posto tudo isso, o exercício a ser feito é descobrir como colocar em prática uma política radical, que seria a única forma de se contrapor a esse marasmo da política eleitoral, coisa que os partidos de esquerda estão com muita dificuldade em realizar. Suporia transcender o espaço da luta eleitoral parlamentar para a luta extra-institucional, mais calcada na organização da classe trabalhadora, dos movimentos populares e das inúmeras camadas que compõem o mundo do trabalho, de modo a organizá-los pela base, permitindo assim germinar novas formas de política marcadas por uma concepção radical.

Como os partidos não têm conseguido realizar isso, vemos o exercício da política tradicional. Um exemplo, para que não fique algo muito abstrato, de quem mais chega perto de uma política alternativa e radical é o MST, no sentido de que tem como eixo da sua ação a organização popular dos sem terra, das camadas pauperizadas da população do campo e também das cidades, que não possuem mais terra no campo nem trabalho na cidade, vivendo, então, em busca de outra forma de vida e sociabilidade.

O MST, portanto, organiza essa base popular, que impulsiona um outro tipo de luta política, aí sim de perfil mais radical. Por isso digo que o MST é quem mais se aproxima de colocar em prática tais diretrizes. O PT há muito tempo abandonou essa proposta. Se algum dia nos anos 80 passou perto, quando impulsionava as lutas sociais, hoje se tornou o que o Marx chamou de "o partido da ordem", o partido que faz todas as concessões necessárias para se manter no poder, como qualquer outro partido burguês tradicional. Basta ver que o PT tem dentro de si figuras que no passado recente estavam comprometidas com o pior da direita brasileira, como comprova o campo de apoio existente em torno da candidatura da Marta à prefeitura.

O PSOL e o PSTU exercem uma política eleitoral alternativa, mas com muita dificuldade, de várias ordens e dimensões. Naturalmente pela fragilidade de suas densidades social e popular, eles não conseguem se apresentar à população como uma outra forma de fazer a política radical; acabam sendo também confundidos como praticantes da mesma política, que faz com que a população, ao final do seu cálculo, trate a eleição deste ano com absoluta frieza. Vai decidir, digamos assim, muito em função das disjunções do lulismo. O que significa? Ela olha para o Lula, depois para as alternativas em jogo (PSDB e DEM) e conclui que são todos farinha do mesmo saco. No entanto, o governo Lula praticou um assistencialismo mais amplificado do que o aquele ultra-restrito, seletivo e elitista do PSDB ou do ex-PFL, o DEM, ironicamente chamado de Democratas.

Sabemos que o governo Lula também conta com essa aceitação popular porque garantiu a remuneração das classes dominantes, dos bancos e do grande capital como nunca na história do país. O próprio já cansou de dizer que nunca os ricos ganharam tanto dinheiro como em seu governo.

Então vejamos: atendendo aos interesses dos que mandam e alargando a sua base, sua massa de manobra, sobre os estratos mais pauperizados, ele tende a ter, dentro da frieza eleitoral, um resultado melhor no conjunto do país. São Paulo ainda é uma incógnita, pois, se a Marta tem mais votação, e nas pesquisas tem tido um desempenho melhor, é evidente que a separação Alckmin/Kassab é algo que se reconcilia no segundo turno.

Alckmin, Kassab e Maluf no segundo turno de um lado e somente a Marta no outro deixa a situação menos tranqüila para o PT, ainda mais lembrando que São Paulo frequentemente tem o voto mais conservador. E neste caso é realmente difícil saber qual desses pólos é mais conservador, pois todos têm muito dessa cara.

Dentro deste cenário, você citou que, mesmo com dificuldades, o PSOL e o PSTU têm uma política eleitoral alternativa. Qual é a diferença entre o projeto desses partidos e o dos demais para as cidades?

O projeto do PSOL e do PSTU, na frente de esquerda (uma pena o PCB não ter participado), é um pequeno pólo unificado, que no meu entender só pode fazer algum sentido se for capaz de, primeiramente, não querer se mostrar como um partido capaz de oferecer alternativas dentro da ordem. Se a esquerda tentar se mostrar moderada para ganhar votos, estará aniquilando seu projeto. O papel eleitoral da esquerda no momento seria ter a coragem de denunciar os mais graves problemas da cidade e do estado, sem a preocupação de com isso perder votos. Pelo contrário, ela não deve ter uma preocupação eleitoreira, mas sim uma preocupação de utilizar o momento eleitoral como forma de conscientizar a todos sobre a tragédia do país e da cidade, além da necessidade de uma outra alternativa, socialista.

Frequentemente o PSOL também esbarra em seus próprios limites. Isso porque uma parte do seu conjunto ainda é formada por filhos do PT, que não querem, digamos assim, cometer os mesmos equívocos petistas. Mas a questão do PT não passa por ter nascido corretamente e aos poucos ter se deformado. Os vícios do PT são mais profundos; desde cedo, tornou-se um partido prevalentemente eleitoral e parlamentar. Se o partido calibra sua ação para este terreno, deixa de priorizar o que é decisivo, no caso as organizações populares e sociais.

Sendo assim, olhemos o erro que o PSOL em parte já vem cometendo: ao invés de centrar seu oxigênio, que não é muito por se tratar de um partido pequeno, na organização das lutas sociais e populares, fica gastando o que tem nas campanhas eleitorais. É o mesmo foco do PT.

Não adianta ser mais agressivo na campanha eleitoral, porque a população acaba não dando muita credibilidade a isso. Nós temos de construir a organização popular pela base, pois respaldados nesta organização é que a luta política e eleitoral pode ter alguma conseqüência. Mas que, de toda forma, deve ser sempre secundária, nunca prioritária. Seria preciso, portanto, dar uma virada no caminho que está sendo seguido.

O PSOL, infelizmente, em meu juízo e como parte dele, desde sua fundação, tem optado muito mais por tentar crescer nas eleições (algo quase impossível objetivamente) e com isso não tem fortalecido a sua ramificação nas forças sociais do trabalho, nos novos estratos da classe trabalhadora, da classe operária industrial, dos trabalhadores rurais, dos assalariados médios - aos montes pelo país, no telemarketing, no comércio, supermercados, nos trabalhadores informalizados, como é o caso dos motoboys, entregadores etc. -, e nas periferias, onde, digamos assim, se dá o espaço da população pobre. O espaço desta população está calcado nesses cinturões que caracterizam a periferia paulistana.

Como o PSOL direciona sua energia, não muito potente, no processo eleitoral, o partido acaba se exaurindo e obtém resultados muito tímidos, ficando paralisado numa luta contra os gigantes e perdendo a possibilidade de se fortalecer nos sindicatos, nas fábricas, nos campos, nos bairros operários e na periferia. Em suma, nos movimentos sociais.

Esse é o limite maior da esquerda hoje aglutinada em São Paulo, no caso o PSOL e o PSTU. Eles fazem as denúncias necessárias, mas talvez o movimento devesse ser um pouco diferente, como vínhamos fazendo, ao menos desde a fundação do PSOL.

Essa metodologia por você sugerida parece ser praticamente o único meio de fazer com que uma candidatura de outro viés político prospere em meio ao monopólio da mídia e às disparidades financeiras de campanha, especialmente em uma cidade como São Paulo.

Claro, primeiro deve-se ter base popular. Segundo, não fazer da eleição um trampolim eleitoral para os políticos. Por exemplo: ao invés de lançar candidatos que já são deputados, como todos os partidos fazem para fortalecer sua votação, deveríamos tentar organizar as bases assalariadas e a partir delas propiciar o nascimento de lideranças políticas que pudessem envolver algum tipo de atuação, mas respaldada nessa base social, o que de certo modo é feito pelo MST, por isso os citei.
Na medida em que temos pouca organização social e política pela base, em que os partidos não exercitam nenhuma tentativa de elaboração de uma política radical, resta participar do processo eleitoral com tom um pouco mais crítico do que o dos partidos dominantes. Isso não mexe com a população, porque ela não atribui credibilidade a tal proposta e não a vê como factível eleitoralmente. É uma armadilha, da qual é preciso sair.

Este é o desafio da esquerda: sair da armadilha eleitoral institucional. Isso não significa não participar das eleições, mas sim participar com outro conteúdo, densidade e substância, que só virão por meio de uma impulsão popular, o que nós ainda não possuímos.

Em resumo, deve-se buscar uma força que não existisse somente em épocas de eleição.

Pelo contrário, uma força que participaria das eleições sem tê-las como prioridade, pois em primeiro lugar viria sempre a organização e o avanço da causa popular, dentro dos quais a luta eleitoral seria apenas mais uma batalha, não a mais importante, pois as lutas extra-institucionais ocupam este lugar.

Um exemplo: a ocupação da USP no ano passado. Teve muito mais importância política para São Paulo, e até para o país, que as eleições. Em um, dois meses de ocupação, a luta social e estudantil autêntica chacoalhou a política tradicional do país. Tantas vezes o MST já fez isso, tantas vezes as greves do ABC paulista paravam o país e traziam uma nova substância à luta política...
As eleições têm sido o eterno suceder da mesmice, onde tudo vale para que nada de substancial aconteça. E a população percebe isso.

O que vê para o futuro da cidade de São Paulo com a vitória de algum dos candidatos de maior poder?

Bom, tanto com Marta, como com Kassab ou Alckmin, para não falar da figura grotesca do Maluf, nós já sabemos como serão seus governos. Todos serão governos que vão recauchutar a cidade sem tocar em nenhuma das suas questões fundamentais. Desde as questões da periferia, da habitação popular, da destruição do meio ambiente da capital, até a própria questão do trânsito, cuja equação passaria por um enfrentamento, por exemplo, da política comandada pela indústria automobilística, coisa que nenhum desses candidatos chegaria sequer perto de fazer.

Não que sejam idênticos, não são, mas são faixas de diferenças que não alteram a qualidade entre eles. Dessa forma, com a vitória da PT, do PSDB ou do DEM, teremos variantes distintas do mesmo. O mesmo seria o quê? Recauchutar a cidade e ganhar forças para outras eleições. O que a Marta quer? Ganhar em São Paulo para poder fortalecer em 2010 a sucessão presidencial, por ela própria ou em nome do PT. Vencendo em São Paulo e mesmo não se postulando em 2010, terá a máquina da prefeitura à sua disposição para apoiar a candidatura do PT. O que quer o Alckmin? A mesma coisa, um trampolim para 2010. O mesmo faz o Kassab e o ex-PFL.

A população percebeu que são todos políticos de trampolim de plantão. E o PSOL não pode realizar essa mesma política, de ter uma candidatura para fortalecer outra candidatura e assim por diante.

A bússola da política deve ter um norte completamente diferente do que aquele que se vê no exercício da política tradicional. Isso, portanto, seria o embrião de uma política radical, capaz de combater ao mesmo tempo a política tradicional e a anti-política. Este seria o esboço do exercício de uma política radical.

Por fim, como considera que os candidatos devam lidar com o orçamento dos municípios e com a dívida pública?

A primeira coisa: a dívida pública, dentro de um país que possui os juros mais altos do mundo, já é uma forma de atar o governo eleito ao exercício da política tradicional e dominante.

Portanto, em relação à dívida pública, e isso o Ivan Valente apontou em alguns debates, é inaceitável que uma gestão de uma prefeitura com alguma inspiração popular seja a prisioneira que vemos ser, completamente corroída pelos juros altos, garantidores da remuneração do grande capital financeiro. O orçamento está diretamente ligado a isso e, se parte dele é destinada a garantir a remuneração da dívida, a prefeitura já se encontra semi-aniquilada.

Imagino que seriam dois os movimentos necessários: o primeiro é enfrentar a questão da dívida pública não aceitando o pagamento do que já foi quitado há muito tempo, o que acarreta uma luta política complicada, mas imprescindível.

O segundo é o seguinte: o orçamento da prefeitura tem de passar por uma discussão nos conselhos populares, de maneira que a população diga em que se investirá ou não. Isso o PT ensaiou em alguns de seus melhores momentos, no que se chamou de orçamento participativo, mas logo abandonou. Muito cedo o PT chafurdou no pior da política tradicional.

O orçamento deveria ser a combinação de um planejamento elaborado pela prefeitura sob a condução de conselhos populares. Fora isso, não faz o menor sentido participar da gestão de uma prefeitura somente para gerir a ordem segundo as diretrizes dominantes.


terça-feira, 23 de setembro de 2008

Quarta Frota e a “guerra” do pré-sal


Dias atrás recebi um e-mail de José Eduardo, de São Gonçalo-RJ, questionando-me a respeito da reativação da Quarta Frota e a possibilidade dela estar já "operante" em costas brasileiras. Precisamente sobre o Campo de Tupi, recentemente anunciado como um mega campo de petróleo na camada pré-sal. Como sou um leitor assíduo do Blog do Miro, encontrei um assunto pertinente, que poderá contribuir para tirar algumas dúvidas.



Diante de quase 2 mil operários da indústria naval que trabalham na construção da Plataforma P-53 da Petrobras, em Rio Grande (RS), o presidente Lula reforçou as suspeitas de que o recente relançamento da Quarta Frota Naval dos EUA tem como objetivo disputar o petróleo da camada pré-sal descoberto no litoral brasileiro. O duro discurso desta quinta-feira (18) indica que o país superou a deprimente fase do “alinhamento automático” com os EUA, imposto pelo servil FHC, e que crescem as tensões diante do “império do mal”. Dois dias antes, Lula já havia dado apoio ao presidente Evo Morales na expulsão da Bolívia do embaixador-separatista Philip Goldberg.


“A Marinha joga um papel importante para proteger o nosso pré-sal, porque os homens já estão aí com a Quarta Frota, quase em cima do pré-sal... A Marinha tem que ser a guardiã das nossas plataformas em alto-mar, porque daqui a pouco chega um espertinho aqui e fala ‘o petróleo é meu, está tudo no fundo do mar mesmo’”, atacou. Após o discurso, durante entrevista coletiva, Lula explicitou seus temores: “Eu já tive a oportunidade de conversar com o presidente Bush sobre a Quarta Frota... Eles dizem que não é nada, que é apenas para pesquisa, mas de qualquer forma estamos preocupados porque é muito próximo da fronteira marítima brasileira”.


Escalada militarista dos EUA


Só os ingênuos e os entreguistas, muitos deles bancados pela mídia, não vêem na Quarta Frota um grave risco à soberania nacional e à integração regional. Criada em 1943, visando derrotar a esquadra nazista no Atlântico Sul, esta força especial foi desativada em 1950. Agora, num gesto provocador, ela foi reativada em 12 de julho. A Quarta Frota é composta por 22 navios: quatro cruzadores com mísseis, quatro destróieres com mísseis, 13 fragatas com mísseis e um navio hospital. “Segundo as autoridades usamericanas, o seu objetivo é ‘realizar ações humanitárias’. Então, para que tantos mísseis?”, ironiza o teólogo da libertação Frei Betto.


Na prática, a Quarta Frota reflete uma nova escalada militarista dos EUA na América Latina. O “império do mal” teme o avanço das forças de esquerda no seu “quintal” e está de olho nas suas riquezas naturais, principalmente no pré-sal. James Stavrides, chefe do Comando Sul, confessou que o aparato bélico visa “ganhar corações e mentes das populações desta região”. Já o diretor de operações navais, Gary Roughead, garantiu que servirá no “combate ao terrorismo”. Tanto que o comandante da Quarta Frota, o contra-almirante Joseph Kernan, nunca fez carreira na marinha, mas sim na força de elite (Seal), destinada às sinistras “operações não-convencionais” dos EUA.


Fidel, Frei Betto e Socorro Gomes


Fidel Castro foi o primeiro a denunciar os intentos imperialistas. Ele lembrou que o anúncio da Quarta Frota ocorreu em abril, poucas semanas após a Colômbia invadir o território do Equador, “com armas e tecnologias dos EUA”. Também citou as ações separatistas do embaixador ianque na Bolívia. Para ele, a retomada das operações navais visa intimidar os governos progressistas da América Latina e abortar o atual processo de integração regional. “Os porta-aviões e as bombas nucleares que ameaçam nossos países servem para semear terror e morte, e não para combater o terrorismo. Deveriam servir ainda para envergonhar os cúmplices do império”.


Frei Betto criticou os que crêem na missão pacífica desta força bélica. “Não é muita coincidência a Quarta Frota ser reativada no momento em que Cuba aprimora a sua opção socialista, Ortega volta a presidir a Nicarágua, o Brasil descobre reservas petrolíferas sob a camada de sal, e a América do Sul é governada por pessoas como Chávez, Lula, Correa, Kirchner, Morales e Lugo, que não morrem de amores por Tio Sam e se empenham em reduzir a dependência de seus países em relação aos EUA?”. Já a presidente do Conselho Mundial da Paz, Socorro Gomes, alertou para a militarização da América Latina. “O governo Bush intenta dar vigência no continente aos pressupostos da guerra preventiva, uma doutrina fascista a serviço do terrorismo do Estado”.


A questão estratégica do pré-sal


Agora é o presidente Lula que coloca o dedo na ferida ao afirmar que a recriação da Quarta Frota objetiva abocanhar as reservas petrolíferas de pré-sal do Brasil. Circulam boatos em Brasília que o comando militar dos EUA estaria questionando as 200 milhas da nossa costa marítima. A grave crise econômica ianque, que tem um forte componente energético – o país é o maior importador mundial de petróleo –, teria atiçado a gula do governo e das corporações imperialistas. O sinal de alerta soou já nas Forças Armadas, o que explicaria o duro recado de Lula diante de uma platéia de 2 mil operários da indústria naval. Motivos para temores não faltam.


Desde novembro passado, quando se anunciou a descoberta da megajazida de petróleo na Bacia de Santos, batizada de Tupi, a questão energética assumiu um papel ainda mais estratégico para o futuro do país. Na sequência, descobriu-se que as reservas se estendem do Espírito Santo a Santa Catarina, cobrindo uma área aproximada de 160 mil quilômetros quadrados. A descoberta passou a ser chamada de pré-sal, já que o petróleo está retido a sete mil metros abaixo da superfície nas entranhas rochosas. Tido como de alta qualidade, o petróleo está enterrado sob três quilômetros de água, mais dois quilômetros de rocha e outros dois quilômetros de crosta de sal.


As megajazidas, que podem estar interligadas num único campo, teriam capacidade de produzir de 70 bilhões a 100 bilhões de barris de óleo. O Brasil, que atualmente ocupa o 24o lugar entre as maiores reservas petrolíferas do planeta, pularia para oitavo ou nono posto – posições ocupadas hoje por Venezuela e Nigéria. Em valores monetários, tomando como base o barril a US$ 100, haveria sob o sal um tesouro de US$ 9 trilhões, quase o Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA. Todo este potencial, como alertou o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, pode ser uma “benção ou uma maldição” para o país. A Quarta Frota, com sua alta carga explosiva, sinaliza para o pior.


domingo, 21 de setembro de 2008

A crise do capitalismo e a esquerda



Nova crise do capitalismo, ao estilo da de 1929, as teses do capitalismo de cassino se confirmam, o Estado norte-americano se contradiz uma vez mais e intervêm pesadamente, demonstrando que sua confiança no mercado não era tão grande como sua propaganda exibia. O capitalismo neoliberalismo mostra suas vísceras, as teses da esquerda se confirmam, de critica – keynesiana ou anticapitalista – ao neoliberalismo.
Os esquerdistas damos risada, confirmadas as nossas teses sobre o caráter anti-social e talvez terminal do capitalismo, esfregamos as mãos ansiosos pela conseqüências sociais e políticas da crises.

Deveríamos? Ou talvez devêssemos perguntar-nos quão preparados estamos para enfrentar essa nova crise com alternativas de esquerda? Não apenas teses, mas força social, política, ideológica, para disputar a hegemonia em crise. Para perguntar-nos se as medidas que os governos tomarão representarão mais sofrimento para os povos, mais desespero, abandono, desemprego, informalidade, sem que possam ver que haveria alternativas?

Se nos limitamos a um papel intelectual, a ser críticos do capitalismo, a nova crise é um prato cheio. Podemos regozijar-nos e despejar todos os dias e semanas novos textos que prevêem – “como já havíamos escrito” – o fim do capitalismo para daqui a pouco tempo.
Mas todo catastrofismo se equivoca. Nos anos 30, a Internacional Comunista aderiu às teses do economista Emilio Varga, que retomava as teses de Lênin par diagnosticar que a crise de 1929 levava o capitalismo, finalmente, à sua etapa final. Conforme o New Deal resgatou o capitalismo de si mesmo, foi introduzida a categoria “segunda fase da etapa final do capitalismo”. Já deveríamos estar na quinta ou sexta fase atualmente.

Giovanni Arrighi recorda como, nos anos 70, a discussão não era sobre o fim do capitalismo, mas quando, onde e como terminaria o capitalismo – tema que aparentemente era assumido até mesmo pelos teóricos do capitalismo.

No entanto, como o próprio Lênin nos recorda, o capitalismo não cai, nem cairá, se não for derrubado – como demonstraram os processos revolucionários que terminaram com o capitalismo, temporal ou definitivamente. Não cai por si mesmo e até mesmo demonstra capacidade de recuperação. Quem diria que a pátria de Lênin, da primeira revolução operário-camponesa da história da humanidade, veria restaurado o capitalismo, numa versão mafiosa?
Quem diria que os Estados Unidos, “feridos de morte” pela crise de 1929, comandariam o maior e mais profundo ciclo longo expansivo do capitalismo da sua história – sua “era de ouro”, segundo Hobsbawn – no segundo pós-guerra, pressionando a URSS e derrotando-a tecnológica e economicamente, antes de favorecer sua implosão política?

Não digo isto para ser caracterizado como disseminador de visões apologéticas do capitalismo ou para alentar o desânimo, mas para cumprir a saudável afirmação de Brecht, de que “devemos tomar o inimigo pelo seu lado mais forte”, para não nos enganarmos sobre as condições reais de luta contra ele, para não subestimar suas forças e, principalmente, não superestimarmos as nossas forças.

A cada crise que a esquerda enfrenta dando risadas e esfregando as mãos, entra e sai mais derrotada ainda, porque se contenta com a contemplação dos últimos dias de uma Pompéia capitalista, que insiste em sobreviver, graças à falta de alternativas – teóricas e políticas – da esquerda. Dessa mesma esquerda que parece acreditar que, finalmente, um dia, não muito longínquo, os povos do mundo se convencerão de suas teses apocalípticas, sem ter construído-as como força econômica, social, política e ideológica.

Por enquanto – como dizia Marx da pequena burguesia -, parece que o povo ainda não está maduro para entender as teses de uma esquerda que se contenta consigo mesma, com nossas maravilhosas teses que nos dizem que a longo, médio ou curto prazo, inevitavelmente a história revelará que caminha para o socialismo.

Pouco terão aprendido das viradas – revolucionárias e contrarevolucionárias – do século XX, seguem esperando passar o cadáver do nosso inimigo, em lugar de preparar meticulosamente a realização dos nossos sonhos e das nossas utopias, como recomendava o realismo revolucionário de Lênin.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Prometeus - A Revolução da Mídia

Para ver melhor este vídeo, desligue antes a estação musical, a esquerda da página.

Interessante reflexão a respeito da convergência midiática no futuro de nossa sociedade.
Realidade ou fantasia? Tire suas conclusões.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Abaixo-assinado cobra realização da I Conferência Nacional de Comunicação


Não é de hoje que a discussão sobre a Democratização dos meios de Comunicação acontece. Um dos grandes pilares, no reconhecimento dos direitos humanos no Brasil, por parte da sociedade, é o direito a comunicação. Não só em fazê-la, mas também de como recebê-la. Apesar de toda resistência, por parte dos grandes empresários da mídia corporativa, em ceder às políticas públicas que democratizem esses meios e também ao titubeio do governo Lula neste tema, a sociedade organizada se articula para realizar a I Conferência de Comunicação Social do Brasil. Segundo o Movimento Pró-conferência, a demanda por uma Conferência Nacional de Comunicação já existe há anos, a partir da análise de que a comunicação precisa estabelecer mecanismos democráticos de formulação, monitoramento e acompanhamento das políticas públicas para o setor. O Movimento Pró Conferência foi criado oficialmente ao final do Encontro Nacional de Comunicação, que ocorreu em junho de 2007, por iniciativa da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) e da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados. Ele é composto por cerca de 30 entidades da sociedade civil de caráter nacional, além da CDHM e do Ministério Público Federal.

A lei que regulamenta o rádio e a TV aberta no Brasil é de 1962, do tempo da TV em preto e branco. Há tempos se discute a necessidade de se atualizar a legislação, especialmente no que se refere à forma das concessões de rádio e TV, mas as empresas nunca permitem que mudanças ocorram. A revisão do marco regulatório para as comunicações deve ocorrer a partir de uma Conferência Nacional de Comunicação, no mesmo formato que já ocorre em diversas áreas, como Saúde e Habitação.

Não basta acompanharmos a situação sem interagirmos, diversas entidades estão engajadas para pressionar o governo Lula para que chame esta conferência de Comunicação Social. Não é questão de exigência, mas de necessidade. Nunca a história de nossos meios de comunicação foi tão desnudado pelas contradições em eles tentarem passar uma imagem de imparcialidade, mas sendo parciais até o osso. É possível, agora, através de um simples click, direcionar-se ao site de abaixo assinado em prol da I Conferência de Comunicação Social. A sua contribuição, através de sua adesão, pode ser a diferença entre continuarmos a ter esse tipo de comunicação que temos no Brasil ou transformarmos esses meios em ferramentas democráticas que universalizem os direitos que até o momento, só de poucos.

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terça-feira, 16 de setembro de 2008

Mídia acoberta terroristas da Bolívia


Nunca é demais falarmos aquilo que tentam esconder. Sempre com objetivos obscuros, óbvio. Nossa mídia já tem sua histórica parcialidade registrada nos anais da história. Com a Bolívia, depois que Evo Morales se tornou presidente não é diferente. Essa mídia brasileira, corrompida e a serviço de nossa elite local, tem o hábito de chamar os terroristas da Bolívia de "oposicionistas", inclusive quando estes atentam contra uma empresa brasileira, como foi o caso da Petrobrás, que teve seu fornecimento de gás interrompido por causa das ações de terroristas, que como já dissemos aqui, para Globo e suas côngeneres eles são oposicionistas. Pois bem, aprofundando um pouco mais sobre o assunto disponibilizo o texto do Miro, jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB - Partido Comunista do Brasil e autor do livro “Sindicalismo, resistência e alternativas”. Ele retrata mais fielmente esse papel contraditório que nossa mídia golpista contraditóriamente ao jornalismo sério e comprometido com ética implementa em sua existência sem pudor nenhum. Imperdível.

Por Altamiro Borges

“Se precisar, vai ter sangue. É preciso conter o comunismo e derrubar o governo deste índio infeliz”. Jorge Chávez, líder da oligarquia racista de Tarija.“Não vejo razão pela qual se deve permitir o Chile se tornar marxista pela irresponsabilidade de seu povo”. Henry Kissinger, secretário de Estado do EUA, poucos dias antes do golpe de 11 de setembro de 1973 que derrubou Salvador Allende.

É repugnante a cobertura que o grosso da mídia hegemônica tem dado aos trágicos confrontos na já sofrida Bolívia. Os serviçais da TV Globo tratam os chefões golpistas como “líderes cívicos” e “dirigentes regionais”. Mirian Leitão, que esbanjou valentia ao sugerir que o governo brasileiro retirasse o nosso embaixador de La Paz e enviasse tropas às fronteiras quando da estatização do petróleo, agora é toda afável com a oligarquia racista deste país. Outros “colunistas” bem pagos da mídia chegam a insinuar que a culpa pelos violentos conflitos, que já causaram oito mortes, é do presidente Evo Morales, “um radical e populista” que instigou o separatismo regional.

A manipulação é grotesca até na terminologia. No caso das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que há décadas enfrentam as oligarquias paramilitares e que foram excluídas violentamente da luta institucional no país, os guerrilheiros são estigmatizados como terroristas, narcotraficantes, bandidos. Já os bandos terroristas da Bolívia, organizados e armados pela elite racista que desrespeita o voto popular, são tratados como “comitês cívicos” e “grupos rebeldes”. O embaixador estadunidense Philip Goldberg, que acaba de ser expulso da Bolívia por estimular abertamente a divisão do país, é apresentado pela mídia subserviente como “negociador”.

A triste lembrança do Chile

O que está em curso na Bolívia é um golpe fascista organizado pela oligarquia local e teleguiado pelos EUA. Seus métodos terroristas lembram o ocorrido no Chile, em setembro de 1973, noutro golpe sangrento orquestrado pelo “império do mal”. Visam desestabilizar e derrubar o governo democraticamente eleito de Evo Morales, confirmado em agosto num referendo. Poucos são os veículos midiáticos e os “colunistas” que denunciam esta conspiração, talvez porque torçam pela derrota do que FHC chamou num paper ao governo Bush de “esquerdização da América Latina”. Como verdadeiro “partido da direita e do capital”, a mídia burguesa não tolera a democracia!

Uma das raras exceções foi o lúcido artigo de Clóvis Rossi, que há muito estava adormecido por seu rancor antiesquerda. “O que está em andamento na Bolívia é uma tentativa de golpe contra o presidente Evo Morales. Segue uma linha ideológica e táticas parecidas as que levaram ao golpe no Chile, em 1973, contra o governo de Salvador Allende, tão constitucional e legítimo quanto o de Evo Morales. Os bloqueios agora adotados nos Departamentos são uma cópia dos locautes de caminhoneiros que ajudaram a sitiar o governo Allende... Nem o governo nem a oposição no Brasil têm o direito ao silêncio”, escreveu, relembrando sua perspicácia e coragem do passado.

O criminoso Philip Goldberg

A conspiração golpista na Bolívia, acobertada pelo grosso da mídia nativa, exige rápida resposta das forças progressistas e democráticas do Brasil. Como afirmou Evo Morales, trata-se de “uma violência fascista com o objetivo de acabar com a democracia e dividir o país”. Sob o biombo da autonomia regional, governadores de cinco departamentos (estados) e abastados empresários têm financiado bandos terroristas que já assassinaram oito camponeses favoráveis ao governo eleito, saquearam prédios públicos, destruíram uma emissora estatal de televisão, sabotaram gasodutos, bloquearam rodovias e proibiram o próprio presidente de pousar em três aeroportos do país.

Segundo relatos de Marco Aurélio Weissheimer, da Carta Maior, na semana passada “grupos de jovens de setores da classe média branca, que não escondem seu sentimento racista em relação a Evo Morales, lideraram as manifestações. Capitaneados pela União Juvenil Cruzense (UJC), eles invadiram o prédio da empresa estatal de telecomunicação para ‘entregá-lo à administração do governo Rubén Costas’, de Santa Cruz. Na Televisión Boliviana/Canal 7, saquearam o escritório, destruíram computadores e fizeram uma fogueira na entrada do prédio”. Além de Santa Cruz, as ações terroristas ocorrem em outros quatro departamentos – Beni, Pando, Tarija e Chuquisaca.

Os EUA estão diretamente metidos no complô. O embaixador Philip Goldberg já foi fotografado em eventos da União Juvenil Cruzense (UJC), grupo terrorista de Santa Cruz que utiliza o slogan “terminemos com os ‘collas’ [indígenas], raça maldita”. A embaixada ianque até contratou vários destes bandidos. Goldberg é um fascista convicto. Como embaixador dos EUA na ex-Iugoslávia, ele orquestrou a crise no Kosovo e a sangrenta guerra civil separatista naquele país. Declarado persona non grata, ele finalmente foi expulso da Bolívia. “Não queremos aqui gente separatista, divisionista, que conspira contra a unidade do país”, justificou o presidente Evo Morales.

Intensificar a solidariedade internacionalista

O governo, mesmo aberto ao diálogo, não tem se submetido à pressão dos golpistas, que exigem a anulação da nova Constituição e do referendo que aprovou a manutenção do mandato de Evo Morales. Ocorrido em 10 de agosto, por demanda da própria oposição, o referendo confirmou a força do atual presidente. Evo foi ratificado em 95 das 112 províncias do país e, apesar do caos promovido pelos golpistas, teve mais votos do que na eleição presidencial – obteve 67,41% dos votos, bem acima dos 53,3% em 2005. Sua votação cresceu em oito dos nove departamentos e o referendo ainda revogou o mandato de dois governadores ligados às oligarquias racistas.

Desesperada, a elite investe no terrorismo e esbarra na resistência do governo e do povo. “Vamos agir com serenidade, mas também com firmeza”, diz Alfredo Rada, ministro da Defesa. Walker Sam Miguel, ministro do Interior, garante que “os fascistas não passarão”. O governo já decretou estado de sítio, ameaça deter os chefes terroristas e acionou tropas do exército nos departamentos para garantir o fornecimento de gás e a ordem pública. A derrota dos fascistas, porém, exige o apoio dos governos e dos movimentos sociais na América Latina. O que está em jogo é o avanço da democracia, é a derrota das oligarquias, do “império do mal” e da mídia mentirosa.