Segue, abaixo, artigo de Emir Sader na qual perpassa os paradoxos de um país, que antes era voltado única e exclusivamente para ser seguidor de políticas com viéis liberais e neoliberais. E que hoje, vislumbrando o futuro, pós Lula, um país que tenta se consolidar como vanguardista de políticas que incorporem a justiça social em meio a receitas reformistas de um sistema excludente.
Vale a pena a leitura.
Por Emir Sader
O Brasil foi cativado, em décadas passadas, pela proposta do desenvolvimento econômico e das promessas que traria. Trouxe o que conseguimos que trouxesse, não tivemos força para impedir que o golpe militar imprimisse a esse fluxo de desenvolvimento outro caráter, centrando-o na exportação e no consumo de luxo.
A economia retomou um ciclo expansivo, sob os fortes condicionamentos impostos pela ditadura – arrocho salarial, fechamento dos sindicatos, abertura da economia -, promovendo ao mesmo tempo um acelerado processo de concentração de renda, que fez do Brasil o pais mais injusto do mundo, o de pior distribuição de renda, isto é, uma ditadura não apenas políticas, mas a maior ditadura social do mundo, com a reprodução do acesso privilegiado aos bens materiais e espirituais pela mesma e restrita elite.
Terminada a ditadura, a sociedade brasileira substituiu o objetivo do consumo proposto pela ditadura, pelo da democratização. Que acabou sendo um importante processo de recomposição do Estado de direito, com os outros direitos políticos correspondentes, porém sem democratização social e econômica. Ao contrário, a concentração de poder e de riqueza na terra, no sistema bancário, nos meios de comunicação – para citar apenas a alguns – se intensificaram. Isto se deu, em grande medida, porque ao invés de eleger pelo voto direto ao primeiro presidente civil do Brasil depois da ditadura, este se deu mediante a via espúria do Colégio Eleitoral, que consagrou uma fórmula que comprometia a democracia com os fortes resquícios do velho regime. Como resultado, a democratização foi política, mas se intensificou ainda mais a ditadura econômica e social que caracteriza o Brasil.
Uma democracia formal foi facilmente capturada pelo neoliberalismo e serviu docilmente para a implantação do modelo mercantilizador, de afirmação do reino do dinheiro e do mercado contra a esfera dos direitos. FHC conseguiu, com o valioso auxilio da grande mídia privada, impor ao país o objetivo da estabilidade monetária como o central, no lugar do desenvolvimento econômico e social. A estabilidade se impôs, mas às custas da estagnação e do aumento da desigualdade e da injustiça no país.
Lula foi eleito com os votos da decepção e da rejeição desses objetivos. Manteve o objetivo central da estabilidade monetária e quase sucumbiu, não tanto pelas denúncias da oposição, mas principalmente porque a economia não saía da recessão, apesar das promessas de Palocci de que finalmente se voltaria a crescer. Foi quando o governo passou a flexibilizar o modelo econômico, com as mudanças na equipe de governo – dente as quais a saída de Palocci foi a mais significativa -, e o acento novo nas políticas sociais, que o país começou a mudar, porque mudar significa retomar o desenvolvimento, intrinsecamente vinculado a ataques às situações de desigualdade, de injustiça e de falta de direitos da massa da população.
A geração de uma nova utopia nacional passa pela construção democrática de um novo consenso nacional a favor da justiça, da superação das desigualdades, da universalização dos direitos – econômicos, sociais, políticos, culturais – a todos. Que o lema Brasil para todos se torne uma realidade em todos os planos, o que só será possível com a geração de novos espaços de informação e de debate mais além dos grandes monopólios privados da mídia mercantil, antagônicos a objetivos que favoreçam à grande maioria dos brasileiros.
Uma nova utopia, de justiça social, requer a mudança do modelo econômico, que preserva a maior taxa de juros reais do mundo, freando as possibilidades de expansão econômica e favorecendo a consolidação do capital financeiro como hegemônico. Requer um imenso trabalho de organização social e política da enorme massa beneficiada pelas políticas sociais do governo, uma estreita articulação com os movimentos sociais, um empenho forte no fortalecimento do campo da imprensa alternativa, até porque sem democratização dos meios de comunicação, nunca chegará a haver uma democracia com alma social no Brasil.
Uma alternativa de esquerda terá muita dificuldade para triunfar, apenas baseada nos efeitos positivos das políticas sociais do governo. Os adversários já prometem se camuflar em um “pós-lulismo”, conscientes da dificuldade de ser “anti-lula”, dificultando a configuração de um campo nítido de forças que possa configurar um governo claramente posneoliberal. Este terá que personificar o contraponto claro do neoliberalismo: a centralidade da luta pela justiça social, contra a desigualdade, pela extensão universal da esfera dos direitos.
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