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domingo, 23 de novembro de 2008

Dez anos de Chávez no poder

A Venezuela segue uma economia extremamente dependente do petróleo, longe da realização total do processo de substituição de importação. Mas reconstrução do Estado que está sendo feita é importante




Há dez anos era eleito Hugo Rafael Chávez Frías presidente da Venezuela, para alguns uma grande liderança da esquerda latino-americana, para outros um militar ex-golpista com um projeto retrógrado de nação. Nessa década, houve vários processos políticos, econômicos e sociais um tanto quanto conturbados, com reforma constitucional, plebiscitos e até uma tentativa de golpe. Analisando os fatos de forma mais detida, observa-se, porém, alguns pontos interessantes e relevantes no período. 

Qualquer análise que se faça da Venezuela após a queda da ditadura de Marcos Pérez Jiménez compartilha a idéia de que o sistema democrático do país, operado entre os anos de 1958 e 1998, tinha como base um "pacto populista de conciliação" de elites. 

A expressão material e institucional foi o chamado Pacto de Punto Fijo, coordenado por dois grandes partidos – Ação Democrática (AD) e Comitê de Organização Política Eleitoral Independente (Copei). Arraigado na Constituição de 1961, no aspecto institucional, conforme afirma o professor e politólogo da Escola de Estudos Liberais da Universidade Metropolitana de Caracas, Anibal Romero, "o pacto reconheceu que a existência de diversos partidos e as naturais divergências entre estes podiam ser canalizadas no marco das pautas de convivência e de que existiam interesses comuns na sobrevivência do sistema".

A partir de 1989, como em toda a América Latina, com o objetivo de dar uma resposta à crise dos anos 80, a Venezuela, sob o comando de Carlos Andrés Pérez, inicia um processo de privatização, ajuste fiscal e enxugamento da máquina administrativa. Isso em um país onde o Estado e suas empresas sempre foram os principais empregadores.

É nesse quadro de crise do modelo de desenvolvimento e de financiamento do Estado que se tornou eleitoralmente viável a alternativa proposta pelo Movimento V República e pela candidatura Hugo Chávez. 

A arrasadora vitória eleitoral de Chávez em dezembro de 1998, que recebeu 58% dos votos válidos ante o adversário Enrique Salas Romer Feo, trouxe importantes alterações para a política e economia venezuelana e para a própria América Latina.

Quando assumiu, em fevereiro de 1999, com os preços do petróleo em baixa (9 dólares), apatia do setor privado e a prematura hostilidade do capital e instituições internacionais, Chávez adotou uma política recessiva, mas jamais desistindo dos seus planos de realizar reformas institucionais e econômicas, conforme prometera na campanha eleitoral.
Em abril de 1999, foi realizado seu prometido plebiscito, aprovando com 70% dos votos (e abstenção de 55%) a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, que concluiria seus trabalhos em dezembro daquele ano.

A nova Constituição proporcionou importantes mudanças. Diga-se que a nova Carta é muito similar à brasileira e diferente da cubana. Garante a propriedade privada, amplia a participação decisória do povo e o requisito de maior transparência governamental, postula a integração econômica com a América Latina e o Caribe. 

Entre as suas principais medidas, cabe destacar: criou o Poder Moral, composto pelo Ministério Público, a Controladoria-Geral da República e Defensoria do Povo, para fiscalizar a administração pública contra atos que atentem à ética e à moral. Reconheceu os direitos das comunidades indígenas (justiça, cultura, língua e território). Reafirmou a reserva, ao Estado, do petróleo e de outras atividades estratégicas. E proibiu o governo de vender sua participação acionária na Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA), podendo, contudo, vender suas subsidiárias. O governo pode ainda tomar medidas para proteger produtores locais contra a competição estrangeira, reduzir jornada semanal de trabalho de 48 para 44 horas. Também garante aos trabalhadores pagamento final (ou indenização) quando cumprir ou quando o empresário romper o contrato de trabalho. Saúde, educação e aposentadoria são garantidas a toda a população (antes, só se aposentava quem tivesse contribuído para a Previdência).

De outubro de 2001 a março de 2002 o preço do petróleo não ultrapassava 20 dólares, diminuindo ainda mais as perspectivas econômicas e com isso tirando graus de liberdade da política econômica de crescimento. Chávez tentou substituir a diretoria da PDVSA, a qual era favorável à privatização do setor, o que gerou uma greve coordenada pela Confederação Venezuelana do Trabalho e fortes manifestações públicas. Isso e o freio à economia agudizaram ainda mais o conservadorismo político, que se aproveitou – fortemente amparado pela mídia – e tentou um golpe contra Chávez, propiciado pela rebelião de alguns líderes militares em 11 de abril, encarcerando-o (12 a14 de abril) por 48 horas, e anunciando sua "renúncia".

Segundo o vice-ministro de Planejamento e Desenvolvimento Regional, Raúl Pacheco, "logo após a greve na PDVSA e o golpe, ampliou-se, intensificou-se ainda mais o desenvolvimento econômico, via criação de vários fundos, como o Fonden (Fundo de Desenvolvimento Nacional), e social, pelas Misiones." De 2001 ao final de 2007, foram investidos com recursos da PDVSA pouco mais de 38 bilhões de dólares nesses programas.

Os planos sociais, conhecidos como Misiones, desenvolvem-se em amplos setores populares e em, no mínimo, um terço da classe média. Tais planos constituem-se de medidas sociais e emergenciais, dentre as quais se podem destacar três de curto e médio prazo e uma de longo prazo.
Os principais planos de curto e médio prazos são: o programa de Saúde Bairro Adentro, no qual médicos, cubanos em sua maioria, prestam consultas diárias e permanecem em estado de prontidão durante as 24 horas do dia nas regiões mais pobres do país – 18,3 milhões de habitantes são atendidos.

O programa Mercal, composto de feiras populares, visa a garantia da segurança alimentar nas quais mais de vinte produtos da cesta básica podem ser compradas a preços subsidiados pelo governo, criou em todo território nacional mais de 16 mil estabelecimentos, beneficiando aproximadamente 16 milhões de venezuelanos e, também, com distribuição gratuita de alimentação pronta a setores populares que vivem em condições de quase indigência.

O plano que possui efeitos de longo prazo concentra-se na área de educação e abrange três frentes. A Missão Robinson, que já alfabetizou mais de 3,5 milhões de venezuelanos entre os anos de 2003 e 2007. A Missão Ribas, que objetiva o estímulo ao reingresso no subsistema de segundo grau de pessoas que ainda não concluíram seus estudos, beneficiando 2,2 milhões de indivíduos. E, por fim, a Missão Sucre, dirigida à educação superior, cuja realização mais concreta foi a Universidade Bolivariana, que incorporou 500 mil estudantes sem vaga no subsistema de educação superior público e privado.

De acordo com o Banco Central da Venezuela (BCV), depois da greve do fim de 2002 e início de 2003 deu-se uma recuperação substancial da economia no ano de 2004. Em comparação com o ano de 2003, o PIB cresceu 18,29%.

O governo de Chávez avançou sensivelmente nas políticas sociais, que por sua vez desencadeiam a longo prazo o desenvolvimento econômico, mas o ponto de inflexão ocorreu logo após a greve geral e o golpe. 

Evidentemente, a Venezuela ainda continua uma economia extremamente dependente do petróleo, longe ainda da realização total do processo de substituição de importação. Algo importante que está sendo feito é a reconstrução do Estado. E que tipo de Estado? Propulsor do desenvolvimento nacional e, ao mesmo tempo, por sua forte política social, uma aposta no futuro.
Será nacional desenvolvimentista ou o propalado socialismo do século XXI? Aí já é outra história. 

* Economista, mestrando em Economia Política pela PUC-SP, integra o núcleo de estudo Estado e Políticas Públicas (PUC-SP/CNPq)

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