Por Rodrigo Vianna
Primeiro, bateu o desespero na "Folha". E o sintoma (como diria Freud) foi o texto choroso de Fernando Barros e Silva a lamentar a pulverização de verbas publicitárais promovida pelo governo Lula. O jornal dos Frias segue a velha tradição: olha sempre, em primeiro lugar, para o bolso.
O "Estadão" é diferente. Olha sempre para a grande política, digamos assim. Mas nesse campo também parece haver motivos para desespero. O editorial do centenário jornal paulistano, nesta semana, é outro sintoma. O título já diz muito: "O aturdimento do PSDB".
A imprensa - como se sabe - não se conforma mais em simplesmente noticiar os fatos, a partir do ponto de vista da elite. Não. Ela subiu um degrau: passou a ser a formuladora das políticas e do discurso da elite.
Por isso, nada mais acertado do que o rótulo de "Partido da Imprensa" para caracterizar esse jornalismo decadente e choroso. Paulo Henrique Amorim acrescentou o "Golpista", e assim nasceu o genial PIG.
No editorial desta terça-feira, o PIG se manifesta. O "Estadão" lamenta que a oposição tenha "desperdiçado sua melhor oportunidade, no auge das denúncias do mensalão". Oportunidade do que? De derrubar o presidente? O "Estadão" ainda vive nos tempos da Revolução de 32! Chega a ser engraçado.
Ler editorial (ainda mais do "Estadão") é tarefa algo desgastante. Não quero fazer o leitor sofrer. Mas nesse caso vale o sacrifício, porque o texto é mais um sinal do fim de uma era.
O "Estadão" lamenta o aturdimento do PSDB. Mas é o PIG que está atordoado. As pesquisas que mostram a subida de Dilma parecem ter desorientado os formuladores da elite. Eles se apavoram fácil. Serra é mais frio. Dele, podemos esperar muito até o início do ano que vem; Roseana Sarney que o diga.
Leiam o editorial, que termina com uma frase demolidora (para as pretensões dos tucanos): "as pessoas reagem mais vivamente quando os políticos apelam antes para as suas emoções do que para o seu lado racional, o que não surpreenderá nenhum marqueteiro competente. Mas, para provocar emoções, é preciso ter o que emocione - e dessa matéria-prima o ninho tucano está vazio."
A reportagem no Estado de domingo - "Para voltar ao poder, PSDB aposta até na neurociência" - é um retrato desalentador da desorientação que os anos Lula infligiram à legenda oposicionista que em dias melhores se distinguia por reunir um patrimônio intelectual incomum para os padrões partidários nacionais. Com dois presidenciáveis de peso, o governador paulista José Serra e o seu colega mineiro Aécio Neves, mas desprovido de "discurso", o sinônimo corrente de mensagem, os tucanos também tateiam em busca de um caminho para chegar ao eleitorado que decidirá a sorte da sucessão de 2010 - os 58 milhões de brasileiros, ou 45% do total de votantes potenciais, que podem escolher tanto um candidato do PT como do PSDB, segundo as pesquisas.
Em português claro, os tucanos não sabem nem o que dizer nem como dizê-lo. De tal modo Lula conseguiu assumir a paternidade da política econômica e dos projetos sociais implantados sobretudo no segundo mandato do presidente Fernando Henrique que 67% dos entrevistados numa sondagem para este jornal, em 2007, apontavam o seu sucessor como o maior responsável pela estabilidade da economia. E vá um tucano dizer a qualquer dos 45 milhões de beneficiários do Bolsa-Família que o programa descende em linha direta do Bolsa-Escola do governo FHC e a reação variará entre a incredulidade e o escárnio. Melhor faria, como Serra e Aécio já afirmaram que farão, se elogiasse a benesse e prometesse ampliá-la.
Os tucanos tampouco ignoram que seria uma temeridade apresentar propostas de governo cuja sustentação os obrigue a contrastá-las criticamente com as práticas atuais, como é normal em política. É um paradoxo. Por um lado, não falta o que apontar - a enxundiosa, aparelhada e em geral incompetente máquina administrativa que, para citar o mais simbólico dos exemplos, foi incapaz de concluir nos dois últimos anos mais do que ínfimos 3% das obras previstas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Por outro lado, expor os fracassos da gestão Lula sem atacar o seu responsável primeiro exigiria malabarismos semânticos provavelmente fora do alcance dos mais talentosos marqueteiros.
Aprovado por 70% da população e reprovado por 6%, o presidente, em suma, se tornou um tabu. Tanto assim que Aécio Neves vive falando que a agenda eleitoral de 2010 só poderá ser o "pós-Lula", como se isso fosse possível quando o próprio presidente avisa que, a se confirmar a candidatura da ministra Dilma Rousseff, a campanha fará tudo para ressaltar a identidade entre eles. Lula chegou até a conceber um mote imaginário para isso: "Dilma é o terceiro mandato." De quebra, há o fato inegável de que, para uma parcela substancial do eleitorado, o mau desempenho administrativo é uma abstração irrelevante perto das melhoras concretas nas suas condições de vida. Na campanha de 2006, o PSDB martelou a questão. Perda de tempo, como se viu.
Mas Lula não teria conseguido sequestrar a política nacional e ditar os termos das disputas eleitorais se, depois de desperdiçar a sua melhor oportunidade, no auge das denúncias do mensalão, quando ele cogitou seriamente de desistir da reeleição, os tucanos não tivessem sido acometidos de uma catatonia desmoralizante. Agora, diante de um prato feito - os vexames em série proporcionados pelos políticos no Congresso e respaldados pela complacência cínica do presidente da República -, o máximo que os tucanos fizeram foi ecoar burocraticamente, e olhe lá, as denúncias da imprensa. Nenhuma palavra, por exemplo, contra o titular do Senado e aliado de Lula, José Sarney, que estarreceu a opinião pública ao dizer que não sabia que todo mês R$ 3.800 eram depositados na sua conta a título de um auxílio-moradia de resto injustificado.
No seu aturdimento - e à falta de espinha dorsal -, o PSDB encomenda pesquisas para descobrir o que o eleitor quer (!) e vai se abeberar nas teorias do neurocientista americano Drew Westen, cujos experimentos o levaram a concluir que as pessoas reagem mais vivamente quando os políticos apelam antes para as suas emoções do que para o seu lado racional, o que não surpreenderá nenhum marqueteiro competente. Mas, para provocar emoções, é preciso ter o que emocione - e dessa matéria-prima o ninho tucano está vazio.
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