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terça-feira, 14 de outubro de 2008

A exumação do discurso neoliberal na mídia (I)


Saul Leblon nos apresenta um artigo interessante, fazendo uma análise do discurso neoliberal, tão enraizado na mídia corporativa e que, de tempos em tempos, são resgatados e nos apresentados para justificar conceitos capitalistas que é tão caro a humanidade. Está dividido em partes, sendo este a primeira.
O artigo foi compilado do site da Agência de Notícias Carta Maior.
A endogamia entre a mídia brasileira e as forças políticas do conservadorismo, uma parceria que impôs ao país uma agenda "de reformas" para liberar os mercados e submeter a sociedade, não é um fato isolado e ocorreu em praticamente toda a América Latina. Em 2003, por exemplo, a revista Veja publicou uma edição especial saudando os "campeões do neoliberalismo", Margareth Thatcher e Friedrich von Hayek.


Por Saul Leblon*


Em setembro de 2003, em edição especial de 35 anos, a revista Veja, por todos os motivos reconhecida como uma das trincheiras mais aguerridas da pregação neoliberal na mídia brasileira - sem menosprezar os predicados de inúmeros cronistas perfilados no mesmo bastião - dedicou-se a um balanço daquilo que anunciou como sendo: " ... 35 anos da história do Brasil e do mundo contado a Veja por quem a fez".

E quem a fez? De acordo com a revista da Abril, pelo menos no quesito ícones da economia, foram Margareth Thatcher, a Dama de Ferro, autora da pérola “Isso a que chamam sociedade não existe. O que existe são os indivíduos"; e o não menos preclaro militante do individualismo econômico e político Friedrich von Hayek, para quem o vale-tudo dos mercados era requisito para a liberdade humana.

Nesta segunda-feira, 13 de outubro de 2008, em que a Europa, liderada pela Inglaterra da ex-primeira Dama de Ferro, inaugura a maior intervenção estatal da história no sistema financeiro do continente e os mercados - ah , ingratidão...- reagem favoravelmente, é forçoso transcrever algumas passagens expressivas da homenagem feita por Veja a seus oráculos.

A endogamia entre a mídia brasileira e as forças políticas do conservadorismo, uma parceria que impôs ao país uma agenda "de reformas" para liberar os mercados e submeter a sociedade, não é um fato isolado. Na América Latina tudo começou em março de 1975 quando o economista Milton Friedman aceitou um convite para se reunir com o ditador Augusto Pinochet. Dezoito meses antes desse encontro o Exército comando por Pinochet derrubara o governo democraticamente eleito do socialista Salvador Allende não hesitando para isso em bombardear o Palácio de La Moneda, no centro de Santiago, com aviões-caça da Força Aérea chilena. Santiago patinava em sangue e violência enquanto Friedman, um porta-voz da escola de Chicago, exortava Pinochet a destinar a truculência da ditadura para implantar no país a agenda da desregulação para os mercados e do tacape para a democracia.

No Especial de 2003 a revista Veja dedica a essas balizas com as quais intoxicou a subjetividade da classe média brasileira nas últimas décadas o título de: "Os Campeões do liberalismo". A seguir, trechos da sua apresentação para a entrevista com Margareth Thatcher e Friedrich von Hayek . Veja fala por si:

Os campeões do liberalismo (revista Veja, setembro de 2003)
"Margaret Thatcher é o melhor homem da Inglaterra." A frase é do ex-presidente americano Ronald Reagan, com quem "Maggie" formou uma dupla afinada. Quando ela assumiu o cargo, em 1979, a Inglaterra era a menos viável das nações industrializadas. Em onze anos e meio no poder, Thatcher privatizou furiosamente, peitou sindicalistas, encolheu o governo e recuperou a prosperidade dos ingleses. A receita de Maggie atraiu ira e admiração em doses descomunais. "Se quiser que um político diga algo, chame um homem. Se quiser que faça, chame uma mulher", afirmava. Quando VEJA falou com ela em 1994, em Londres, o liberalismo à moda de Thatcher começava a ser copiado em diversas partes do mundo.(...)

VEJA – Quem se opõe à privatização das estatais no Brasil costuma dizer que privatizar é pegar algo que é propriedade de todos e dar de presente a alguns.

THATCHER – Ninguém está dando nada a ninguém. A verdade é o contrário: em geral as estatais têm de ser subsidiadas com o dinheiro dos contribuintes. O governo não sabe administrar empresas, quase sempre o faz de modo inepto. Logo, logo a empresa está perdendo dinheiro, e o contribuinte tem ao mesmo tempo de comprar o que ela produz e pagar o prejuízo.

Crônica de uma vitória anunciada (Mais um texto da Veja)

"O economista Friedrich von Hayek foi entrevistado por VEJA em 1979, o ano em que Margaret Thatcher assumia o governo da Inglaterra. Mais que uma coincidência, o momento marca uma transição da teoria para a prática. Em 1944, Hayek lançou seu livro mais conhecido, "O Caminho da Servidão", prevendo que a Inglaterra perderia sua posição de destaque no mundo caso insistisse em políticas intervencionistas. Foram necessários 35 anos para que os ingleses percebessem que o velho pensador estava certo.

Isso ocorreu quando Thatcher se incumbiu de soltar as amarras da economia britânica, colocando seu país novamente em velocidade de cruzeiro. O austríaco naturalizado inglês assistiu à vitória de seu pensamento. Acompanhou em vida o governo de Margaret Thatcher, que se tornou um exemplo para boa parte do mundo. Morreu em 1992, tendo assistido à queda do Muro de Berlim e ao esfarelamento da União Soviética. Hoje, governos de direita e de esquerda, de José María Aznar a Luiz Inácio Lula da Silva, baseiam suas políticas na idéia da qual Hayek foi o profeta e Thatcher, a executora: o liberalismo econômico".

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