Entender esta dualidade da política americana é fundamental para entendermos também, a representação tipiniquim que temos do lado de cá. Aqui Luis Carlos Azenha nos informa de como a disputa política acontece nos Estados Unidos e na qual o papel da mídia corporativa tem se transformado, ao longo do tempo, com enorme contribuição de jornalistas inescrupulosos, numa trincheira que vai dos neocons aos neoliberais.
Por Luís Carlos Azenha
Vou fazer um balanço de várias coisas que escrevi ao longo dos anos neste site. Uso os Estados Unidos como exemplo por um motivo simples: passei lá, baseado em Nova York, a maior parte de minha vida profissional. E acompanhei de perto os embates políticos entre conservadores e liberais, o que no Brasil equivale, respectivamente, à direita e à esquerda, ao PSDB e ao PT.
Lembrem-se que nos Estados Unidos uma gama variada de opinião, especialmente à esquerda, não sai na mídia corporativa, especialmente aqueles que se dedicam à crítica da própria mídia.
Porém, essa gente tem outras plataformas para atingir o público: o mercado editorial é gigantesco e há um grande número de editoras "alternativas"; a banda larga está disseminada e há organizações não-governamentais que se dedicam especificamente a fazer o trabalho de watchdog, cão de guarda, da mídia.
É por isso que gente "do contra" consegue falar nos Estados Unidos. No Brasil, seja pelo controle editorial centralizado -- como o que Ali Kamel desempenha nas Organizações Globo --, seja pela má qualidade dos novos jornalistas e do "novo Jornalismo" -- profissionais sem formação crítica, produção de notícias em massa, sem qualquer contextualização -- quem pensa diferente é jogado para escanteio.
É importante que você, caro leitor, se dê conta de que isso não é irrelevante. Quem faz parte da "panela" tem um sem número de vantagens: garantia eterna de emprego, aumentos salariais, ascensão rápida, promoção dos livros que escreve, dentre outros. É sedutor para qualquer jornalista puxar o saco não só do patrão como de interesses políticos e econômicos que, lá na frente, poderão recompensá-lo.
O Luís Nassif já tratou de aspectos relativos ao uso da mídia em disputas comerciais, cujo exemplo mais grotesco é o engajamento de O Estado de São Paulo, Folha de S. Paulo e revistas Veja e IstoÉ nos interesses associados ao banqueiro Daniel Dantas.
Aqui vou tratar, portanto, apenas do aspecto político.
MATRIZ DE OPINIÃO
O ativismo dos neocons é um belíssimo exemplo a ser estudado. Os intelectuais fundadores do "movimento" -- que se organizou para defender uma política externa ativista dos Estados Unidos, de defesa de Israel e de combate ideológico à esquerda em geral -- migraram do Partido Democrata para o Partido Republicano entre os anos 70 e 80.
Washington, uma cidade que nunca teve uma "elite intelectual" comparável à burocrata, era um vazio que foi preenchido pelos neocons, muitos dos quais eram ex-trotskistas. Eles se organizaram em torno de algumas revistas e alguns institutos financiados pela iniciativa privada. E passaram a disseminar a sua "matriz de opinião" nas publicações, em livros, palestras e na crítica a integrantes do governo.
Na internet, o Drudge Report passou a ser o endereço dos neocons. Nas rádios, Rush Limbaugh passou a disseminar o pensamento dos conservadores.
O problema dos neocons é que faltava a eles "povo", ou "a militância". O problema foi resolvido quando eles fizeram aliança com a direita religiosa dentro do Partido Republicano. Ainda que fossem seculares, os neocons abriram espaço em suas publicações para as causas queridas à coalizão religiosa que juntou católicos, evangélicos e judeus conservadores.
Dentre elas o combate ao aborto, ao ensino do evolucionismo nas escolas públicas, à separação entre Estado e Igreja e o apoio ao financiamento público de programas organizados por instituições religiosas.
Essa atuação se deu mesmo quando a coalizão não estava no poder. No primeiro governo Clinton, o projeto de criar um sistema nacional de saúde, idealizado pela primeira dama Hillary, foi derrotado no Congresso depois de uma intensa campanha pública em que grandes interesses econômicos se juntaram aos neocons e à direita religiosa.
A campanha de ataques a Hillary, definida como "bitch", uma "cadela", se parece muito com os ataques pessoais feitos à petista Marta Suplicy depois que ela se separou do marido ou aos ataques feitos pelo blogueiro Reinaldo Azevedo à vereadora Soninha, quando ela ainda estava no PT.
Nos Estados Unidos, o nome de Bill e Hillary foi associado ao suicídio de Vincent Foster da mesma forma que o assassinato de Celso Daniel, em Santo André, foi associado ao PT no Brasil. Foster era advogado da Casa Branca e amigo de Hillary. Ele se matou em julho de 1993.
O site Drudge Report e Rush Limbaugh tiveram papéis essenciais na disseminação de rumores, meias-verdades, boatos e falsidades a respeito de Clinton, no que Hillary mais tarde definiria como "a grande conspiração de direita".
O democrata se reelegeu graças ao bom desempenho da economia, mas o envolvimento do presidente com a estagiária Monica Lewinsky foi a oportunidade que os republicanos esperavam para detonar o legado de Clinton. Apesar de ter presidido os Estados Unidos por oito anos ininterruptos de crescimento econômico, Bill Clinton chegou ao fim do governo tão estigmatizado que foi mantido à distância da campanha de Al Gore.
Com George W. Bush os neocons, enfim, assumiram plenamente o poder. Mas estiveram em campanha permanente, como "vanguarda intelectual" do movimento, desde os anos 90. Dominaram o debate político e intelectual, preencheram cargos no governo e ocuparam espaços na mídia a ponto de tornar a palavra "liberal", que nos Estados Unidos equivale a "esquerdista", um palavrão.
Como é que Barack Obama vem enfrentando a máquina de moer carne dos republicanos, que é especializada em disseminar mentiras, boatos, rumores e meias-verdades?
1) Os democratas dispõem de sua própria rede informal de blogueiros. São os blogueiros "liberais", que se reúnem anualmente na maior convenção do gênero nos Estados Unidos. Os militantes se organizaram em torno do Daily Kos. E os democratas em geral em torno do Huffington Post. Os dois projetos são patrocinados pela iniciativa privada ou por contribuições arrecadadas através da própria internet.
2) Políticos democratas passaram a considerar essa "mídia liberal" tão importante quanto a mídia tradicional. Era comum ver o senador Edward Kennedy dando entrevista a blogs "liberais" dos Estados Unidos. Barack Obama fez o mesmo. Ou seja, os políticos liberais tiraram proveito ao mesmo tempo em que ajudaram a promover essa mídia. Hoje o Huffington Post dá alguns dos maiores furos sobre política nos Estados Unidos.
3) Não deixar ataques sem resposta. A campanha de Obama credenciou um grande número de porta-vozes para responder aos ataques de forma imediata, em todos os meios -- jornais, rádio, televisão e internet. Hoje uma informação falsa ganha o mundo em questão de horas. Combatê-la na fonte é necessário. Quando um livro repleto de inverdades e insinuações foi publicado nos Estados Unidos a respeito de Obama, a campanha já tinha um texto-resposta contestando ponto a ponto o autor.
4) Usar o You Tube. A TV tradicional está perdendo espaço junto aos formadores de opinião. Os jovens não têm mais paciência de esperar as notícias no Jornal Nacional. O You Tube tem um incrível poder multiplicador. Mas é preciso adequar a linguagem. O humor e o deboche são essenciais para qualquer conteúdo na internet, especialmente os destinados ao You Tube. As mensagens devem ser curtas. Barack Obama gravou vídeos para o You Tube: sem maquiagem, sem marqueteiro, sem firula.
5) Denunciar a mídia. Os republicanos conseguiram convencer os americanos de que a mídia do país é "liberal", embora ela tenha se tornado muito conservadora, especialmente depois que Rupert Murdoch começou sua onda de aquisições nos Estados Unidos. Os republicanos sempre fizeram campanha denunciando a mídia. Os democratas só aprenderam a fazer isso com Barack Obama, cuja campanha manifesta publicamente sua discordância do noticiário. Ajudar o público a entender o papel da mídia é esencial, especialmente quando ela se torna protagonista da disputa política.
6) Denunciar publicamente o cinismo alheio. A campanha de Gilberto Kassab foi preconceituosa, especialmente no rádio, quando atacou "Dona Marta" por estar em Paris quando houve enchentes em São Paulo. No entanto, quando a campanha do PT sugeriu que Kassab é homossexual acabou denunciada de forma cínica pela mídia, a mesma mídia que fez gato e sapato de Marta pelo fato dela ter se separado de Eduardo Suplicy e casado com um argentino. O que a campanha de Kassab fez, com a ajuda da mídia, foi transformar o prefeito em "vítima". Os republicanos perpetraram algumas das maiores barbaridades contra adversários políticos nos Estados Unidos e ainda assim posam de "vítimas". A campanha de Barack Obama vai a público para denunciar todas as manobras do adversário, mesmo sem dispor do horário eleitoral gratuito.
7) Finalmente, os seis pontos acima se aplicam a políticos de todos os partidos brasileiros. O protagonismo das empresas de mídia veio para ficar. Acabou, se um dia houve, o Jornalismo como atividade fim. Hoje nossa profissão é vista como atividade meio, para obter vantagens políticas e econômicas. Você, que se julga beneficiado pela mídia corporativa hoje, pode ser vítima dela amanhã.
PS: Barack Obama tem um blog em que anuncia em primeira mão notícias, vídeos e a transmissão ao vivo, pela internet, das íntegras dos discursos feitos por ele. Ou seja, criou um instrumento para dar a volta na mídia tradicional.
PS2: Os democratas denunciam a hipocrisia dos republicanos. Recentemente, o Huffington Post revelou que os republicanos gastaram 150 mil dólares comprando roupas para a candidata a vice Sarah Palin, em plena crise econômica e num momento em que os republicanos dizem representar o "eleitor comum".
E ENTÃO VOCÊ PERGUNTA: A QUEM SERVIRAM OS NEOCONS? AQUI EU TENTO RESPONDER.
Nenhum comentário:
Postar um comentário