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sexta-feira, 24 de outubro de 2008

O Estado busca retomar as rédeas



Matéria de Ana Paula Sousa

Há quem diga que o ministro Juca Ferreira era ministro muito antes de sê-lo. Secretário-executivo de Gilberto Gil, ele, de fato, toca o dia-a-dia da pasta desde o primeiro mandato do presidente Lula. Mas, agora, além do papel executor, tem também o de representação institucional, justamente o ponto forte de Gil. Caberá a ele acalmar os ânimos do setor cultural quando vier à tona – e a promessa é de que seja até o final do mês – o projeto de mudanças da Lei Rouanet. Caberá ao sociólogo baiano, filiado ao PV, convencer a sociedade de que, sem as alterações, a cultura perderá.

CartaCapital: Mudar a Lei Rouanet será sua prioridade?

Juca Ferreira: Será uma das prioridades. Como meu mandato é de continuidade, tenho de manter o ministério no processo em que vinha. Trabalharemos também o Plano Nacional de Cultura, um instrumento de nacionalização da política, e a modernização do direito autoral e da Funarte.

CC: Uma de suas maiores batalhas, na secretaria-executiva, talvez tenha sido pelo aumento do orçamento do ministério. Será possível conseguir isso?

JF: A gente já vem aumentando o orçamento e acho que vai continuar. A crise mundial pode levar o governo a uma posição mais rígida na redução de gastos. Mas temos conseguido sensibilizar as áreas econômicas para a nova formatação da cultura. A mudança na lei vai estabelecer um balanço entre custo e benefício.

CC: Entre o que custa para os cofres públicos e os benefícios que traz?

JF: A mudança fará com que a lei seja usada com mais responsabilidade. Em princípio, a renúncia significa uma parceria entre público e privado. O governo disponibiliza um dinheiro de imposto e a empresa financia projetos e programas. Mas, como a decisão cabe aos departamentos de marketing das empresas, há uma certa promiscuidade entre financiamento à cultura e publicidade.

CC: O que mudará o comportamento das empresas?

JF: Haverá uma mudança no padrão da lei. Hoje, 80% do que o ministério disponibiliza para a cultura vem da lei. Mas o mecanismo não é vocacionado para financiar políticas públicas. As empresas, quando se associam a um projeto, querem retorno de imagem e, em busca disso, priorizam certas coisas em detrimento de outras. Desejamos que sejam apoiadas iniciativas relevantes. Mas, claro, uma política pública não pode depender exclusivamente da lei. Vamos substituir um mecanismo não apropriado por um conjunto de mecanismos. Além da renúncia, teremos o Fundo Nacional de Cultura, com uma contribuição orçamentária maior e mecanismos de mercado. O Fundo será reafirmado como o principal mecanismo de financiamento da política pública.

CC: Mas o que garantiria dinheiro para o fundo, hoje quase vazio?

JF: Vamos estruturá-lo por meio de fundos setoriais. Teremos o Fundo Nacional das Artes, o Fundo Setorial do Audiovisual, que já existe, cada um com um gestor próprio. O Fundo Nacional do Livro e Leitura, por exemplo, terá 1% do lucro de toda a cadeia produtiva. Esses fundos poderão fazer parcerias de produção e patrocínio com a área privada.

CC: Hoje, o próprio ministério depende da Lei Rouanet. Vocês vão diminuir esse uso?

JF: Espero que sim. Não só o ministério como os governos estaduais e municipais que usam a lei para atividades permanentes. Mas a solução depende do orçamento.

CC: Então não é ilusória?

JF: Não. A gente tem aumentado o orçamento e os recursos para a cultura.

CC: Quando a lei foi criada, a idéia era estimular o empresariado a colocar dinheiro próprio nos projetos, o que não aconteceu. Como mudar isso?

JF: Os índices de renúncia não serão previamente definidos, como é hoje. Não haverá mais a definição de que o investimento em música popular tem direito a 30% de renúncia (ou seja, os 70% restantes do orçamento devem ser completados com dinheiro da própria empresa), e música erudita a 100%. Vamos criar grades de critérios para avaliar os projetos. O teto de renúncia será definido pela pontuação. Vamos levar em conta a relevância cultural, a qualidade na elaboração, a acessibilidade e o quanto um projeto beneficia as regiões que mais necessitam. Quanto mais se aproximarem desses critérios, mais se aproximarão dos 100%. De início, pode haver um estranhamento, mas acho que vai ser positivo.

CC: O Estado vai cumprir um papel fiscalizador?

JF: Mude ou não mude a lei, a gente está avançando na direção de que o dinheiro seja disponibilizado com critérios e que, uma vez disponibilizado, tenha seu destino acompanhado pelo ministério. Dinheiro público requer responsabilidade.

CC: Mas o ministério não tem gente suficiente para avaliar os projetos. Como conseguirá ainda fiscalizar?

JF: Enviamos uma proposta de reforço do ministério. Esperamos que o Congresso aprove isso rapidamente.

CC: Como o senhor define o campo de atuação do ministério?

JF: Ampliamos o conceito de cultura e trabalhamos a cultura como política pública, a partir da idéia de que todo brasileiro tem direito à cultura, tanto no sentido da expressão quanto da fruição. É a cultura como fato simbólico, direito de cidadania e economia.

CC: O setor cultural absorveu essas idéias? Vocês, inicialmente, receberam duras críticas.

JF: Acho que sim. É evidente que divergências existem, mas percebo um diálogo muito forte. Me considero sortudo, não esperava ser tão bem recebido. Houve um reconhecimento de que a melhor opção seria a continuidade. Não há mais a idéia de que o Estado é o lobo-mau que vai devorar os pobres dos produtores. O Estado democrático não quer dirigir nem fazer escolhas estéticas, mas tem o seu papel.

CC: Qual seria a grande aproximação do MinC com o governo Lula? A chegada de novos protagonistas?

JF: O governo Lula incorporou parcelas da população que nunca tiveram participação na vida econômica brasileira. Mas, agora, uma pesquisa mostrou que os recém-incorporados à classe C não se consideram de classe média por não terem lazer qualificado nem acesso à cultura. Eles sinalizaram que o esforço de inclusão não pode se basear só no aumento do poder aquisitivo. Eles querem a inclusão simbólica. E quando o presidente Lula nos colocou, através do Mais Cultura, na agenda social, apontou nessa direção, mudando um paradigma histórico. Desde que o Brasil é Brasil, quando se falava em agenda social, só se falava em estômago, moradia e educação.

CC: O senhor acredita que o discurso da cultura como necessidade básica tenha sido mesmo absorvido pela sociedade?

JF: Não digo que esteja consolidado, mas a mensagem foi compreendida. Não se pode mais tratar a cultura como a cereja do bolo.

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